domingo, 27 de abril de 2014

Revolução - Sophia de Mello Breyner

Revolução
Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta

Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício

Como a voz do mar
Interior de um povo

Como página em branco
Onde o poema emerge

Como arquitetura
Do homem que ergue
Sua habitação

Sophia de Mello Breyner

sábado, 26 de abril de 2014

O 25 de Abril não admite neutralidade



O 25 de Abril não admite neutralidade

César Príncipe - publicado na
Vértice 122/Maio-Junho 2005

(Multi-realismo – Uma suGestão de RearmaMento Estético)


A neutralidade respira ideologia.
A neutralidade transpira ideologia.
A neutralidade vomita ideologia.

A neutralidade é um dos expedientes primários da capitulação & uma das pompas litúrgicas do negocismo. A paz não deve premiar corsários & ventríloquos, manequins & marioNets da Cultura & da Educação, da Informação & do Espectáculo. Não há tréguas entre bolsistas/borlistas do Sistema & ludibriados/ofendidos do Sistema. Não há núpcias (Recomendáveis) entre castratori/castrati & revolucionários/homens/mulheres livres.

Aqui se recusa o Princípio da Inocência das Artes & o Princípio da Oficialização da Verdade.

Não podemos manter-nos periféricos nas decisões centrais.
Não devemos ocultar o sofrimento & a felicidade da razão.

Procuremos afinar as cabeças, as mãos & as vozes, reabilitando as expedições ao nosso íntimo & ao coração dos condenados da Terra. Participemos nas células de sabotagem/implosão do Capitalismo CaniBalístico & da MerdiCultura Nacional & Universal.

Inauguremos um novo Parque das Nações, denunciando a vacuidade dos Dantas Electrónicos, dos letristas & intérpretes do Pimba Global, dos opinion-makers USA & deita fora, dos mediadores do Totalitarismo PalhAcento, da DemagOrgia Infecto-Contagiosa, do Populismo Antipopular, do VAMPirismo enceFálico, do jet-set do crime & do ridículo, do Grande PatroNATO da fome, da Guerra, do AnalfaBestismo.

Intelectuais, Artistas!

Proclamemos, como prioridade constituinte, uma empresa multi(nacional) do Novo Bom Senso & de Novo Bom Gosto.

Busquemos um novo Admirável Mundo Novo.
Derrotemos o persistente Triunfo dos Porcos.

Fora com os passageiros da passividade.
Fora com os decOraDores do sistema.
Fora com os bonEcos das corporações.
Fora com o fast-food culturAnal.
Fora com o Ocidente sem Oriente.
Fora com o Norte sem Sul.

O Dólar não é uma Casa de Sonho.
O Euro não se troca por Melancolia.

Viva a GloBalização da Humanidade.
Viva a GloBalização da Identidade.
Viva a GloBalização da Racionalidade.
Viva a GloBalização da Rebeldia.
Viva a GloBalização da Fantasia.
Viva a GloBalização da Alegria.

O Multi-Realismo (só) pretende que olhemos & escutemos com olhos de ver & ouvidos de ouvir os esplendores & os horrores, as paixões & os desenganos de estar desperto (no meio) de funâmbulos & sonâmbulos, delinquentes pérfidos & gentis, vítimas de todos os continentes & de todas as ilhas & de (também) estar entre indesarmáveis.

O Multi-Realismo ambiciona confrontar o Homem Estético com uma Missão Transtemporal & Transespacial & simultanramente Concreta & Definível na idade da Pedra Atómica, na Idade do Ferro Chip.

O Multi-Realismo apela aos insurrectos do Presente por um outro Presente & pelo Presente do Futuro (para que) se alistem nas Verdadeiras Prioridades da Pátrias & do Planeta, reorganizando as forças do optimismo contra os que simulam não pertencer ao género humano.

O que não é fácil. Mas é inadiável.
César Príncipe

terça-feira, 22 de abril de 2014

Em memória... - José Gomes Ferreira

 

(obra de Armando Alves)


 homenagem a Casquinha e Caravela (Em memória de José Caravela e António Maria Casquinha, mortos em Montemor-o-Novo pela Guarda)

1

Aqui
Nesta planície de sol suado
Dois homens desafiaram a morte, cara a cara,
em defesa do seu gado
de cornos e tetas.

Aqui onde
agora vejo crescer uma seara
de espigas pretas

2

Quando os dois camponeses desceram às covas,
Ante os punhos cerrados de todos nós,
Chorei!

Sim, chorei,
Sentindo nos olhos a voz
do que há de mais profundo
nas raízes dos homens e das flores
a correrem-me em lágrimas na face.

Chorei pelos mortos e pelos matadores
- almas de frio fundo.

Digam-me lá:
Para que serviria ser poeta
Se não chorasse
Publicamente
Diante do mundo?

José Gomes Ferreira

segunda-feira, 21 de abril de 2014

O luto no Sertão - JOÃO CABRAL DE MELO NETO

O luto no Sertão

Pelo sertão não se tem como
não se viver sempre enlutado;
lá o luto não é de vestir,
é de nascer com, luto nato.

Sobe de dentro, tinge a pele
de um fosco fulo: é quase raça;
luto levado toda a vida
e que a vida empoeira e desgasta.

E mesmo o urubu que ali exerce,
negro tão puro noutras praças,
quando no sertão usa a batina
negra-fouveiro, pardavasca.

JOÃO CABRAL DE MELO NETO