sábado, 30 de abril de 2016

A MAIS ALTA TORRE - Manuel Gusmão



A MAIS ALTA TORRE

Sobre si mesmo, movendo-se, o mundo
voltou-se para o outro lado. E tu?

Viras-te para o outro lado de onde vem, segundo ouves,
o seu ruído concentrado na luz Cego;
ou como se o estivesses já imaginavas o som
das letras; tacteavas a máquina do canto;
perdias-te no labirinto dos ecos.

Cego; mas tens as mãos e elas uma memória
por fazer. As mãos lembram-se: recordam o coração.

Repetes, recapitulas, recuperas esse gesto antigo:


Estender as mãos em frente

não para a memória mas para a vida,
não para um sonho mas para a invenção
num gesto ou numa teia de gestos quase
                                                        automáticos,
                                                        [quase pensativos;

Ver pelas mãos o halo da lua que alucina
Poisar as mãos na madeira da mesa ou
na pedra do parapeito ou no pescoço alto
por onde subia o canto

(...)
Manuel Gusmão
"A mais alta torre"
A Terceira Mão, Lisboa: Caminho, pp. 11-14

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