Guerra
Tanto é o sangue 
que os rios desistem de seu ritmo, 
e o oceano delira 
e rejeita as espumas vermelhas. 
Tanto é o sangue 
que até a lua se levanta horrível, 
e erra nos lugares serenos, 
sonâmbula de auréolas rubras, 
com o fogo do inferno em suas madeixas. 
Tanta é a morte 
que nem os rostos se conhecem, lado a lado, 
e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso. 
Oh, os dedos com alianças perdidos na lama... 
Os olhos que já não pestanejam com a poeira... 
As bocas de recados perdidos... 
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes... 
Tanta é a morte 
que só as almas formariam colunas, 
as almas desprendidas... — e alcançariam as estrelas. 
E as máquinas de entranhas abertas, 
e os cadáveres ainda armados, 
e a terra com suas flores ardendo, 
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas, 
e este mar desvairado de incêndios e náufragos, 
e a lua alucinada de seu testemunho, 
e nós e vós, imunes, 
chorando, apenas, sobre fotografias, 
— tudo é um natural armar e desarmar de andaimes 
entre tempos vagarosos, 
sonhando arquiteturas. 
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