sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Os advogados do Dólar - Pablo Neruda


Os advogados do Dólar

 

Inferno americano, pão nosso

empapado em veneno, há outra

língua em tua pérfida fogueira:

é o advogado nativo

da companhia estrangeira.

É ele que arrebita os grilhões  

da escravidão em sua pátria,

e passeia desdenhoso

com a casta dos gerentes

a mirar com ar supremo

nossas bandeiras andrajosas.

 

Quando chegam de Nova York

as vanguardas imperiais,

engenheiros, calculistas,

agrimensores, peritos,

e medem terra conquistada,

estanho, petróleo, bananas,

nitrato, cobre, manganês,

açúcar, ferro, borracha, terra,

adianta-se um anão obscuro,

com um sorriso amarelo,

e aconselha com suavidade

aos invasores recentes:

 

Não é preciso pagar tanto

a estes nativos, seria

um crime, meus senhores, elevar

estes salários. Não convém.

Estes pobres-diabos, estes mestiços,

iriam só embriagar-se

com tanto dinheiro. Pelo amor de Deus!

São uns primitivos, quase

umas feras, conheço esta cambada.

Não paguem tanto dinheiro.

 

É adotado. Põem-lhe

libré. Veste como gringo,

cospe como gringo. Dança

como gringo, e vai subindo.

Tem automóvel, uísque, imprensa,

é eleito juiz e deputado,

é condecorado, é ministro,

e é ouvido no Governo. 

Sabe ele quem é subornável.

Sabe ele quem é subornado.

Ele lambe, unta, condecora,

afaga, sorri, ameaça.

E assim se esvaziam pelos portos

as repúblicas dessangradas.

 

Onde mora, perguntareis,

este vírus, este advogado,

este fermento do detrito,

este duro piolho sanguíneo,

engordado de nosso sangue?

Mora nas baixas regiões

equatoriais, o Brasil,

mas sua morada é também

o cinturão central da América.

Podereis encontrá-lo na escarpada

altura de Chuquicamata.

Onde cheira riqueza sobe

os montes, cruza abismos,

com as receitas de seu código

para roubar a terra nossa.

 

Podereis achá-lo em Puerto Limón,

na Ciudad Trujillo, em Iquique,

em Caracas, Maracaibo,

em Antofagasta, em Honduras,

encarcerando nosso irmão,

acusando seu compatriota,

despedindo peões, abrindo

portas de juízes e abastados,

comprando imprensa, dirigindo

a polícia, o pau, o rifle

contra sua família esquecida.

 

Pavoneando-se, vestido

de smoking, nas receções, 

inaugurando monumentos,

com esta frase: Meus senhores,

a pátria, antes da vida,

é a nossa mãe, é o nosso chão,

vamos defender a ordena fazendo

novos presídios, novos cárceres.

 

E morre glorioso, “o patriota”,

senador, patrício, eminente,

condecorado pelo papa,

ilustre, próspero, temido,

enquanto a trágica ralé

de nossos mortos, os que fundiram

a mão no cobre, arranharam

a terra profunda e severa,

morrem batidos e esquecidos,

postos às pressas

em seus caixões funerários:

um nome, um número na cruz

que o vento sacode, matando

até a cifra dos heróis.

 

Pablo Neruda

                                       


quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

A GREVE - Júlio Saraiva

 Uma imagem com texto, póster, design gráfico, vestuário

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A GREVE

(em solidariedade às companheiras e companheiros em greve)

a greve
é grave

a greve não teme
a chuva
e nem teme
que o trabalhador morra a fome

a fome é porca
e o trabalhador usa o pouco
que lhe resta
para cruzar os braços e parar


a greve pode - e deve - parar

Júlio Saraiva

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

A GREVE DOS POETAS - Marcelino Freire

 

A GREVE DOS POETAS

Poetas em greve, sim.
Agora e já!

Por que não?

Não entraram os bancários?
Os ferroviários?
Os servidores do Estado?

É legítima nossa reivindicação.

Não viu, no Brasil?

Todo trabalhador
de braço cruzado.

Investigador e escrivão.
Coveiros sem enterros.
Policiais no Maranhão.

Poetas, avante, à luta,
é hora de união.

De coração parado,
em silêncio,
tomemos a multidão.

Mostremos que somos
uma categoria.

A cidade sem palavras,
nada de saraus na periferia.

A população pedirá
urgentemente
a nossa volta ao trabalho.

Tenho certeza,
bem sei.

Quem quer ver a poesia assim,
para sempre,
morta de uma vez?

Marcelino Freire

 

 

GREVE - Nivaldo Vanderlei Balla

GREVE
Uma imagem com texto, design gráfico, Gráficos, encarnado

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Greve é um mal necessário
Glória para os protagonistas
Muitas vezes efêmeras
E outras duradouras.
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Dos louros todos aproveitam
Os coadjuvantes são de aparecer
Quando tudo está terminado
Ao fitá-los ficam com cara de tacho.
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Esse é um momento diferenciado
O retrato com forma de derrota
Não olhe para a greve como brincadeira
Não se torne o rato que dá viva à ratoeira.
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Sinta alegria pela luta na tentativa
Não apenas pela vitória e consequência
De um movimento de classe organizada
Sempre lutar com determinação.
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Se perder, perca com classe
Caso venha a vitória, que seja com ousadia
O mundo só existe para quem se atreve
Já afirmei: vitória é apenas consequência.
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Escrevi algumas linhas nessa poesia
Sobre as indignações do dia a dia
De uma luta desigual onde somos servidores
Lutando contra os ditadores da democracia.
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É uma forma que consigo gritar em silêncio
Será que um dia alguém terá ouvidos para mim.

Nivaldo Vanderlei Balla

 

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

PALAVRA GREVE - Oswald Barroso

PALAVRA GREVE

 

Com gê

com vê se escreve

a palavra greve

 

com gê de guerra

com vê de vida

 

a palavra é lida

a palavra é livre

a palavra é breve.

 

A dizê-la

quem se atreve?

Quem bate

a boca atrevida?

 

Com lê

com dê se escreve

a palavra lida

 

com lê de luta

com dê de dia

 

a palavra é dita

a palavra é dura.

 

O seu peso

quem atura?

Quem se mata

sob a treva?

 

Com gê

com pê se escreve

a palavra paro

 

com gê de greve

com pê de pedra

 

a palavra é porta

a palavra é posta

a palavra é pista.

 

A fazê-lo

quem se arrisca?

Quem ousa

estancar a fábrica?

 

— Quem a move.

 

Quem ousa

parar a cidade?

 

— Quem a move.

 

Quem ousa

mudar o mundo?

 

— Quem o move

 

Com ê

com rê se escreve

a palavra greve

 

com ê de elo

com rê de rua

 

a palavra é tua.

 

Ao teu grito

quem recua?

 

— Que te mata.

 

Mata o medo

mágica palavra

pára a máquina

mostra a mão

que move o mundo

mede a força que dorme

mede o aço que ferve

no braço que se cruza.

 

Quem sabe o dom da palavra

é quem a usa.

 Oswald Barroso

Fortaleza, junho de 1979

 

Quero uma greve onde estejamos todos - Gioconda Belli



Quero uma greve onde estejamos todos.

Uma greve de braços, de pernas, de cabelos.

Uma greve nascendo em cada corpo.

Quero uma greve
De operários de pombas
De motoristas de flores
De técnicos de crianças
De médicos de mulheres

Quero uma greve grande,
Que até o amor alcance.

Uma greve onde tudo se detenha,
O relógio as fábricas
O seminário os colégios
O ônibus os hospitais
A estrada os portos.

Uma greve de olhos, de mão e de beijos.
Uma greve onde respirar não seja permitido,
Uma greve onde nasça o silêncio para ouvir os passos do tirano que se vai.

Gioconda Belli

 

 

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

A greve - Pablo Neruda

XIII

A greve

 

Estranha era a fábrica inativa.

Um silêncio na planta, uma distância

entre máquinas e homem, como um fio

cortado entre planetas, um vazio

das mãos do homem que consomem

o tempo construindo, e as desnudas

estâncias sem trabalho e sem um som.

Quando o homem deixou as tocas

da turbina, quando desprendeu

os braços da fogueira e decaíram

as entranhas do forno, quando tirou os olhos

da roda e a luz vertiginosa

se deteve em seu círculo invisível,

de todos os poderes poderosos,

dos círculos puros de potência,

da energia surpreendedora,

ficou um montão de inúteis aços

e nas salas sem homem, o ar viúvo,

o solitário aroma do azeite.

 

Nada existia sem aquele fragmento

batido, sem Ramírez,

sem o homem de roupa rasgada.

Lá estava a pele dos motores,

acumulada em morto poderio,

como negros cetáceos no fundo

pestilento dum mar sem ondulação,

ou montanhas escondidas de repente

sob a solidão dos planetas.

 

Pablo Neruda


(Canto Geral