segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Indignação por Adão Cruz

Indignação

por Adão Cruz

O país é nosso.

Portugal é nosso.

Roubaram o povo de Portugal.

A ele se guindaram legiões de trafulhas e ladrões

subindo escadas democratizadas por burlistas e aldrabões.

Impressiona a forma como dão a volta à falácia.

Impressiona a forma como levam a água do povo

ao moinho dos patrões.

Impressiona a forma como roubam ao trabalho

os seus montes de milhões.

Impressiona a forma das palavras

para esconder o roubo

o saque

a destruição.

Impressionam os balidos de cordeiro

escondendo as sete pedras na mão.

Impressiona a farsa com que chamam austeridade

à crueldade.

Impressiona a forma como atafulham de mentiras

as portas da verdade.

Impressiona a forma como liquidam a soberania

e vendem o que é do povo da noite para o dia.

Impressiona o silêncio

a humilhação

e a falta de revolta deste povo

a caminho da agonia.

Salta povo para a rua

abre as portas da cidade

ergue ao céu a bandeira da dignidade

e a voz da liberdade

contra a submissão

a humilhação

e a morte da vontade.

Junta a voz

junta as mãos

e o coração

e mostra ao mundo a força de um cidadão

 

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

POSFÁCIO - Hélia Correia

Hélia Correia

POSFÁCIO

Foi esta ideia semelhante à pérola,

crescendo, como a pérola, no escuro

e apurando a sua perfeição sem se dar conta

de que o fazia, motivada apenas

pela vontade de cercar o mal,

e impedir que a doença respirasse

e tudo envenenasse em seu redor,

destruindo qualquer

expressão de vida?

Sim, teve essa ideia

a beleza e o brilho de uma pérola?

 

Ou terá vida, a ideia? Será ela

alguma coisa latejante e física,

a benigna bactéria que se adentra

pelo cérebro animal e ilumina

zonas até então desconhecidas,

zonas do nobre pensamento,

enfim liberto

das coreografias da matilha,

tornando humano o cérebro,

ensinando dentro dele as palavras

com as quais

o que existia foi organizado

e o poema nasceu,

a lei nasceu.

 

Quando alguém disse,

pela vez primeira,

“democracia”,

houve a revolução,

isto é,

tudo rolou sobre si mesmo.

E, ao levantar-se e recompor-se,

esse real,

reconhecendo embora os sítios

e as pessoas,

constatou que não eram os mesmos.

Viu os ombros direitos,

para sempre, julgava ele,

de modo decisivo,

ombros dos cidadãos que se afastavam

dos joelhos, da lama original,

de maneira que os olhos se encontravam

à mesma altura.

E uma alegria irrefletida,

o arrebatamento

de conferir

todo o poder à fala e não

ao ferro ou à riqueza ou ao que quer

que abrira fossos

a separar os cidadãos,

uma alegria,

mãe da arrogância, mãe do novo perigo

devido aos erros de avaliação,

uma alegria,

pérola gigante

rolando pelo chão

da assembleia,

uma alegria,

viva como um pássaro

que cruza o céu dos povos e os saúda,

uma alegria onde, por instantes,

a bondade habitou

deixou nos rostos

de uma cintilação extraordinária.

 

A história não relata o pormenor,

não há dele registo, não há prova,

pedra nem documento.

Mas o certo

é que um grande relâmpago cobriu

os recantos da terra.

Era um relâmpago

de certo modo sobrenatural,

não resultando de uma carga elétrica

mas da fulguração desse momento,

do esplendor da ideia nas cabeças.

 

Também em nós caiu essa alegria,

mãe da arrogância,

e a grande luz pousou

sobre a manhã que as flores avermelhavam.

Era muito manhã, por isso não

se distinguiram bem,

o sol e a fonte

de onde emanava aquele deslumbramento.

 

Tudo ali começava, o ano,

a era,

os tambores e o abraço

e o alimento.

A dança sob os pés energizados,

e a palavra, a volúpia da palavra,

essa palavra que era o leite e o mel

e corria nas ruas, ocupava

todo o espaço das ruas,

levantada

como folhagem pelo sopro

da ideia.

 

Se olharmos para trás, avistaremos

a poalha doirada, avistaremos

ainda os dias da libertação

reduzidos a horas, a minutos,

a pequenos detritos da memória

que, de inúteis, se empurram

para a valeta.

 

Recolhidos em casa,

desertada a Praça da Canção,

fechada a porta

dos acontecimentos exemplares,

dentro de nós escurecido o espaço

que a ideia, tão bela, iluminou,

estamos nós prestes a dobrar o corpo,

a entrar, de joelhos, na caverna,

mudos, de novo, à espera de um clarão?

 

Hélia Correia

(18-04-2024)

 

 

 

 

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Liberdade - António Borges Coelho

 

07-10-1928  -  17-10-2025
Liberdade

... amo-te de menino
Encontrei-te 
num mundo de operários
na prisão.
É tempo! É tempo!
O nosso Povo sofre
Sai para a rua
Com uma flor na mão!

Janeiro de 1957

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Adriano Correia de Oliveira - Tejo que levas as águas

 

Adriano Correia de Oliveira

9-4-1942 – 16-10-1982

Tejo que Levas as Águas

Tejo que levas as águas
Correndo de par em par
Lava a cidade de mágoas
Leva as mágoas para o mar

Lava-a de crimes espantos
De roubos fomes terror
Lava a cidade de quantos
Do ódio fingem amor

Lava bancos e empresas
Dos comedores de dinheiro
Que dos salários de tristeza
Arrecadam lucro inteiro

Lava palácios vivendas
Casebres bairros da lata
Leva negócios e rendas
Que a uns farta e a outros mata

Leva nas águas as grades
De aço e silêncio forjadas
Deixa soltar-se a verdade
Das bocas amordaçadas

Lava avenidas de vícios
Vielas de amores venais
Lava albergues e hospícios
Cadeias e hospitais

Afoga empenhos favores
Vãs glórias, ocas palmas
Leva o poder dos senhores
Que compram corpos e almas

Das camas de amor comprado
Desata abraços de lodo
Rostos corpos destroçados
Lava-os com sal e iodo

Tejo que levas as águas
Correndo de par em par
Lava a cidade de mágoas
Leva as mágoas para o mar.

Manuel da Fonseca

Uma imagem com Cara humana, vestuário, pessoa, cavalheiro

Os conteúdos gerados por IA podem estar incorretos.

(Santiago de Cacém, 15/10/1911-11/3/1993)
Poeta, romancista, contista e cronista, membro do Grupo Novo Cancioneiro, presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores.

 


M
T
G
Y
A função de fala é limitada a 200 caracteres