segunda-feira, 18 de março de 2024

O CRAVO DE ABRIL - Fernando Peixoto

O CRAVO DE ABRIL

Em Abril fui criança novamente:
Sorri, brinquei, cantei sem me cansar,
Aprendi com os outros a sonhar
Descobrindo o Futuro, ali à frente.

A voz, ergueu-se harmoniosamente
Na canção que aprendemos a cantar:
Da gaivota, teimosa, que a voar
Pelos céus passeava alegremente.

Brilhava o sol de Abril, a Primavera
Corrria p’ra acenar um tempo novo
Repleto de esperança e de utopia.

Por fim, na minha terra, florescera
Um novo sonho: o cravo deste povo
Que em Abril se encontrava e renascia.

 

Fernando Peixoto

25 de abril de 2004

domingo, 17 de março de 2024

SAMBA DA UTOPIA (Jonathan Silva)

 

Samba da Utopia

Se o mundo ficar pesado
Eu vou pedir emprestado
A palavra poesia

Se o mundo emburrecer
Eu vou rezar pra chover
Palavra sabedoria

Se o mundo andar pra trás
Vou escrever num cartaz
A palavra rebeldia

Se a gente desanimar
Eu vou colher no pomar
A palavra teimosia

Se acontecer afinal
De entrar em nosso quintal
A palavra tirania

Pegue o tambor e o ganzá
Vamos pra rua gritar
A palavra utopia

quinta-feira, 14 de março de 2024

O 25 de Abril não admite neutralidade - César Príncipe

O 25 de Abril não admite neutralidade

(Multi-realismo – Uma suGestão de RearmaMento Estético)

 

A neutralidade respira ideologia.

A neutralidade transpira ideologia.

A neutralidade vomita ideologia.

 

A neutralidade é um dos expedientes primários da capitulação & uma das pompas litúrgicas do negocismo. A paz não deve premiar corsários & ventríloquos, manequins & marioNets da Cultura & da Educação, da Informação & do Espectáculo. Não há tréguas entre bolsistas/borlistas do Sistema & ludibriados/ofendidos do Sistema. Não há núpcias (Recomendáveis) entre castratori/castrati & revolucionários/homens/mulheres livres.

 

Aqui se recusa o Princípio da Inocência das Artes & o Princípio da Oficialização da Verdade.

 

Não podemos manter-nos periféricos nas decisões centrais.

Não devemos ocultar o sofrimento & a felicidade da razão.

 

Procuremos afinar as cabeças, as mãos & as vozes, reabilitando as expedições ao nosso íntimo & ao coração dos condenados da Terra. Participemos nas células de sabotagem/implosão do Capitalismo CaniBalístico & da MerdiCultura Nacional & Universal.

 

Inauguremos um novo Parque das Nações, denunciando a vacuidade dos Dantas Electrónicos, dos letristas & intérpretes do Pimba Global, dos opinion-makers USA & deita fora, dos mediadores do Totalitarismo PalhAcento, da DemagOrgia Infecto-Contagiosa, do Populismo Antipopular, do VAMPirismo enceFálico, do jet-set do crime & do ridículo, do Grande PatroNATO da fome, da Guerra, do AnalfaBestismo.

 

Intelectuais, Artistas!

 

Proclamemos, como prioridade constituinte, uma empresa multi(nacional) do Novo Bom Senso & de Novo Bom Gosto.

 

Busquemos um novo Admirável Mundo Novo.

Derrotemos o persistente Triunfo dos Porcos.

 

Fora com os passageiros da passividade.

Fora com os decOraDores do sistema.

Fora com os bonEcos das corporações.

Fora com o fast-food culturAnal.

Fora com o Ocidente sem Oriente.

Fora com o Norte sem Sul.

 

O Dólar não é uma Casa de Sonho.

O Euro não se troca por Melancolia.

 

Viva a GloBalização da Humanidade.

Viva a GloBalização da Identidade.

Viva a GloBalização da Racionalidade.

Viva a GloBalização da Rebeldia.

Viva a GloBalização da Fantasia.

Viva a GloBalização da Alegria.

 

O Multi-Realismo (só) pretende que olhemos & escutemos com olhos de ver & ouvidos de ouvir os esplendores & os horrores, as paixões & os desenganos de estar desperto (no meio) de funâmbulos & sonâmbulos, delinquentes pérfidos & gentis, vítimas de todos os continentes & de todas as ilhas & de (também) estar entre indesarmáveis.

 

O Multi-Realismo ambiciona confrontar o Homem Estético com uma Missão Transtemporal & Transespacial & simultanramente Concreta & Definível na idade da Pedra Atómica, na Idade do Ferro Chip.

O Multi-Realismo apela aos insurrectos do Presente por um outro Presente & pelo Presente do Futuro (para que) se alistem nas Verdadeiras Prioridades da Pátrias & do Planeta, reorganizando as forças do optimismo contra os que simulam não pertencer ao género humano.

O que não é fácil. Mas é inadiável.


César Príncipe

quarta-feira, 13 de março de 2024

Perfil - Miguel Torga


Perfil

Não. Não tenho limites.
Quero de tudo
Tudo.
O ramo que sacudo
Fica varejado.
Já nascido em pecado,
Todos os meus pecados são mortais.
Todos tão naturais
À minha condição.
Que, quando por excepção,
Os não pratico
É que me mortifico.
Alma perdida
Antes de se perder,
Sou uma fonte incontida
De viver,
E o que redime a vida
É ela não caber
Em nenhuma medida.

Miguel Torga




sexta-feira, 8 de março de 2024

A honra da resistência - Meral Cicek

 

A honra da resistência

Somos a flor desta montanha, a que, acariciada pelos
ventos, não se curva.
Somos tão fortes que, mesmo que fiquemos sem água,
não nos esvaneceremos.
Não sei se nascemos assim ou as circunstâncias nos fizeram assim. À medida que temos sede,
nossas raízes
adentram mais profundamente a terra. Eles estão
tentando nos arrancar do solo, mas conhecem a força de
uma flor que brota na montanha.

Meral Cicek

terça-feira, 5 de março de 2024

HINO DO MST - MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA

 

HINO DO MST

Vem teçamos a nossa liberdade

Braços fortes que rasgam o chão

Sob a sombra de nossa valentia

Desfraldemos a nossa rebeldia

E plantemos nesta terra como irmãos!

Vem, lutemos punho erguido

Nossa força nos leva a edificar

Nossa pátria livre e forte

Construída pelo poder popular

Braço erguido ditemos nossa história

Sufocando com força os opressores

Hasteemos a bandeira colorida

Despertemos esta pátria adormecida

O amanhã pertence a nós trabalhadores!

Vem, lutemos punho erguido

Nossa força nos leva a edificar

Nossa pátria livre e forte

Construída pelo poder popular

Nossa força resgatada pela chama

Da esperança no triunfo que virá

Forjaremos desta luta com certeza

Pátria livre operária e camponesa

Nossa estrela enfim triunfará!

Vem, lutemos punho erguido

Nossa força nos leva a edificar

Nossa pátria livre e forte

Construída pelo poder popular.

 

domingo, 3 de março de 2024

Prece às Crianças de Gaza - Nuno Gonçalves

Prece às Crianças de Gaza

Crianças de Gaza,
De tão longe lhes escrevo
Que quase duvido que me ouçam
Desertos e oceanos me atravessam
Quando nos olhos de minhas filhas, Marias
Avisto as bombas que caem sobre vossas casas
Como pássaros desnorteados possuídos pelo espírito da morte
Quando no choro de minhas filhas, Marias
Ouço o choro assustado que escapa de suas gargantas
Como súplicas de prisioneiros sob as perversões de um carrasco
Que desconhece qualquer limite às suas fantasias de torturador
Crianças de Gaza,
Lhes negam água
Lhes negam abrigo
Lhes negam comida
Mas não podem lhes negar minhas lágrimas
Não podem lhes negar minhas preces
Não podem lhes negar minha poesia
Oceanos e desertos lhes atravessam
E unem os olhos de minhas filhas, Marias, aos seus olhos
Crianças de Gaza,
Algum dia vocês olharão para trás
E verão o horror a ira e a covardia
Destruindo vossas infâncias
Ouvirão o som das bombas e a pulsação das cicatrizes latejando em seus corpos
Vocês nunca deixarão de ser o que são
Nunca poderão esquecer o que estão vivendo agora
Nem o que viveram vossos pais e vossos avós
Crianças de Gaza – Alláh não as abandonará
Nele encontrarão seus indecifráveis oráculos
E os misteriosos labirintos da existência
Nele encontrarão a pedra firme onde ancorar seus íntimos desesperos
Crianças de Gaza,
Sórdidos homens de corações impuros
Mergulham suas infâncias na dor e na amargura
Mas suas almas permanecerão ilesas e intocadas
Na abundância em que crescem minhas filhas, Marias
Saltam como rãs no pântano
As misérias de suas existências
Crianças de Gaza,
Seus pais com armas, fé e angústia descomunal
Tentam lhes devolver a Terra Prometida
Crianças de Gaza,
Suas mães se fazem água para que não morram de sede
Suas mães se fazem pão para que não morram de fome
Suas mães se fazem esperança para que não morram de desgosto
Suas mães se fazem azeite de oliva para que não desconheçam a doçura
Suas mães se fazem tecidos para vestir vosso supremo sofrimento
Crianças de Gaza,
O mundo assiste a tudo e não faz nada
Como um estúpido espectador ante um espetáculo de entretenimento
Somente os seus se fazem escudos para que as bombas não caiam sobre vossas pequeninas cabeças
Crianças de Gaza,
No sono sereno de minhas filhas, Marias
Avisto os destroços de vossas infâncias
Ouço a indiferença absurda do mundo ante o vosso supremo sofrimento
Crianças de Gaza,
A poesia nada pode ante a realidade e a crueldade e o absurdo do mundo
Crianças de Gaza,
Vosso clamor é o clamor de todos os oprimidos da terra
Alláh nunca as abandonou
Alláh nunca as abandonará
Nas ruínas dos hospitais destruídos pelas bombas
Nas ruínas das escolas destruídas pelas bombas
Nas ruínas dos versos dos grandes poetas palestinos
Nas ruínas das místicas árabes e do sufismo
Nas águas dos desertos e na aridez dos oceanos
Vocês encontrarão a matéria-prima e as reminiscências da Terra Prometida
Vocês encontraram o alimento e o abrigo que lhes negam agora
Crianças palestinas
Lhes negam os peixes do mar
Lhes negam o pão da terra
Lhes negam uma casa onde dormir, sonhar e orar
Lhes negam o sal que dá sabor à existência
Crianças de Gaza,
Mas não podem lhes negar uma língua, uma história e uma tradição poética
Não podem lhes negar a fé nem a dor que sustenta toda fé
E vossa dor ecoa nos olhos serenos de minhas filhas, Marias
Palestinas como todas as Marias do mundo
Palestinas como a Maria que amamentou aquele em quem o Ocidente enxergou o próprio Deus
Crianças de Gaza,
Sem saber se essas palavras cruzarão os desertos e oceanos que nos separam
Impotente ante a vossa dor e o vosso sofrimento
Só me resta orar e crer
Que o amor e a misericórdia de Alláh
Hão de vencer a ira, a covardia e a maldade que lhes destroça a infância
Só me resta acreditar
Que algum dia essas pedras que hoje lhes servem de armas
Serão a matéria-prima de sua futura Terra Prometida
E os brinquedos da infância de seus filhos, de seus netos e bisnetos
Só me resta rezar para que algum dia possam brincar de roda
No oásis que lhes concederá o destino
Crianças de Gaza,
Vocês serão maiores e melhores algum dia
Pois lhes tocou não ter outra infância senão a da guerra e dos destroços
E saber da mutilação e da perda antes de conhecer o acolhimento e a alegria
Crianças de Gaza,
A paz sem justiça é qualquer coisa menos paz
Que a poesia seja vossa prece
E que a memória da indiferença do mundo os fortaleça
Crianças de Gaza,
Do outro lado do oceano
Do outro lado do deserto

Alláh lhes olha
Alláh lhes alimenta
Alláh sacia vossas sedes
Algum dia vocês serão maiores e melhores
Pois nunca esquecerão o poder destrutivo do ódio e das bombas
Pois nunca esquecerão o silêncio ensurdecedor da indiferença do mundo
Pois nunca esquecerão o choro e ranger de dentes que soa no campo de batalha
Crianças de Gaza,
Recebam minhas lágrimas e estes humildes versos
Que essa injustiça absurda e esse sofrimento supremo
Que esmaga vossas infâncias com a voracidade de um abutre maligno ante uma presa indefesa
As convertam em guerreiras da Luz e da Sabedoria
E as tornem capazes de vencer as sombras da ignorância
Que não poupam infâncias, oceanos e desertos…

Toróró, 18/10/23

Nuno Gonçalves (Pernambuco, 1977). Nasci em Recife, mas sou cearense. Publiquei os livros de poesia: Cacos de Cristo, O sol e a maldição, Cartas de navegação e Calabouço de reticências ou a aridez do oceano. De prosa: O rio das onças. Recebi o Prêmio Ideal de Literatura com o conto O caminho da novena e com o poema O canto do anjo vermelho. Graduado em história pela UECE, mestre – na mesma disciplina – pela UFC & doutor em Estudios Latinoamericanos pela UNAM. Sou professor de história da América na UFRB, mas o que importa mesmo é que sou pai de Marialice.

sexta-feira, 1 de março de 2024

O assombro no olhar das crianças de Gaza - Fernando Fitas

 

O assombro no olhar das crianças de Gaza

 

Entrei na padaria, logo pela manhã,

para beber o odor da última fornada,

a quentura do pão que me aquece as entranhas,

quando o forno se abre, e sentir outra vez,

o remoto aconchego das coisas que em criança

me inundavam a alma.

Não sei porque o fiz, já que nada comprei,

Fi-lo unicamente movido pelo espanto

que povoa de assombro e de incredulidade

o olhar das crianças, sem pão, nem luz, nem água

que habitam entre os escombros da cidade de Gaza.

 

Fernando Fitas

[Seis crianças confirmadas mortas por inanição na Faixa de Gaza 29 de fevereiro de 2024]

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

POEMA DO FUTURO -- António Gedeão

24 de Novembro de 1906 - 9 de Fevereiro de 1997

 

POEMA DO FUTURO

 

Conscientemente escrevo e, consciente,

medito o meu destino.

No declive do tempo os anos correm,

deslizam como a água, até que um dia

um possível leitor pega num livro

e lê,

lê displicentemente,

por mero acaso, sem saber porquê.

Lê, e sorri.

Sorri da construção do verso que destoa

no seu diferente ouvido;

sorri dos termos que o poeta usou

onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;

e sorri, quase ri, do íntimo sentido,

do latejar antigo

daquele corpo imóvel, exhumado

da vala do poema.

Na História Natural dos sentimentos

tudo se transformou.

O amor tem outras falas,

a dor outras arestas,

a esperança outros disfarces,

a raiva outros esgares.

Estendido sobre a página, exposto e descoberto,

exemplar curioso de um mundo ultrapassado,

é tudo quanto fica,

é tudo quanto resta

de um ser que entre outros seres

vagueou sobre a Terra.

 

António Gedeão

in 'Poemas Póstumos'

 

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Largada - Sebastião da Gama



Largada

Ai a tão rara, fugitiva,

Certeza de vencer!...

Não me falem de Esperança! Quero é esta

Decisão nas palavras e nos passos. 

 

Navios, verdes de limos nas amarras, arrancai

Do cais dos meus sentidos!

Em mim não haja agora nem um

Que não seja bandeira desfraldada

Ou vela de navio.


 Meus mais longínquos pensamentos,

 Soltem-se ao claro Sol desta certeza.

 vinquem de Acção e Vida o ar da noite.

 

 Ao Mar!, ao Mar!,

 Com um peso de ferro atado aos pés,

 o cadáver já podre

 de meus desânimos inglórios!

 

 E eu, verdadeiro, surja,

 Sorrindo a todos o vão desaire.

 Rasguem velas, os mastros estilhacem,

 quantos ventos vierem.

 Verdadeiro por fim, cá vou.

 Nem um momento só,

 Largo das mãos meu leme de certeza.

 

_Ah!, conquistado a golpes de coragem!,

Ah!, ganho como prémio o que é bem meu

Por direitos legítimos de Moço!


Sebastião da Gama

(in Cabo)