quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Praça de Jorna -- Soeiro Pereira Gomes



Praça de Jorna

I

Entre os camponeses de certa região, designa-se por «praça» o ajuntamento dos assalariados rurais em locais certos e dia fixado, com o fim de contratarem trabalho, ou – como usam dizer – tomarem patrão.

A «praça de trabalho» ou «praça de jorna» é pois um mercado de mão-de-obra, a que vão assalariados e proprietários rurais (ou os seus delegados: os capatazes), e em que os primeiros, como vendedores, oferecem a sua força de trabalho, e os segundos, como compradores, oferecem o salário ou jorna, que é a paga de um dia de trabalho (jornal).

Daí a designação de «praça de jorna» ou «praça de trabalho», mais apropriada do que «praça de homens» como já se tem chamado, visto que não são propriamente os homens o que está à venda no mercado, mas sim a sua força de trabalho, isto é, o conjunto das suas faculdades físicas e intelectuais utilizadas na produção.

Convém insistir neste ponto, porquanto aquela designação corresponde a uma corrente de opinião acerca das «praças», ou seja, de que elas são ainda restos do antigo mercado de escravos e, portanto, desumanas e inteiramente condenáveis. Em certo artigo doutrinário escreveu-se que «as praças de homens são, na realidade, mercados medievais da força de trabalho».

A verdade é que, antigamente, o homem do campo não era livre de dispor da sua força de trabalho: era escravo ou servo da gleba e, como tal, todo ele considerado uma ferramenta ou simples objecto de uso, que o senhor podia vender ou trocar ou, quando escravo, destruir. Os antigos romanos dividiam mesmo as forças de produção em 3 categorias: os meios de trabalho mudos (os objectos), os meios de trabalho semi-mudos (o gado), e os meios de trabalho falantes (os escravos). Ao passo que, modernamente, dentro da forma capitalista, o que constitui a mercadoria é a força de trabalho do homem, e não o próprio homem. Este, até certo ponto, é livre de escolher ou mudar de patrão ou ofício. Portanto, se no mercado medieval o homem passava das mãos de um senhor às de outro senhor, de um vendedor a um comprador, na «praça» actual o trabalhador rural vende a sua força de trabalho ao lavrador, por um tempo determinado (dia ou semana) e recebe em troca um valor: o salário.

Quer isto dizer que o trabalhador recebe o justo valor do seu trabalho? De modo nenhum. Quer dizer também que o trabalhador, tendo deixado de ser escravo ou servo, é agora inteiramente livre? De modo nenhum. No sistema capitalista de produção, os assalariados estão dependentes da classe que possui os meios de produção (proprietários da terra e das máquinas, etc.), são obrigados, para não morrerem de fome, a vender as suas faculdades físicas e intelectuais. E nesse «negócio» forçado, os patrões aumentam o seu capital, enquanto os assalariados desgastam a sua única riqueza: a força de trabalho.

II

Pelo que acabamos de ver, e se bem que existam ainda muitos restos de medievalismo, tanto no modo como nas relações de produção agrícola (o Foro, as coutadas, o uso do arado, a designação de servo, etc.), a «praça de jornas» é fruto da sociedade capitalista, em que até as faculdades do homem constituem uma mercadoria. Tanto assim que, mesmo noutros domínios da produção, se encontram «praças de trabalho», como a Casa do Conto dos estivadores de Lisboa, os quais, ainda há bem pouco tempo, se juntavam perto das docas, para condições colectivas de trabalho.

A condenação da praça de jorna por parte de alguns doutrinários só pode basear-se no espectáculo humilhante dum grupo de homens postados em qualquer largo de uma povoação, à espera de trabalho; bem menos humilhante todavia, do que ver estar um só homem de chapéu na mão no pátio dum lavrador, muitas vezes a suplicar trabalho por qualquer preço, como é o caso na «praça».

Por outro lado, a antipatia de muitos camponeses pelas «praças», só pode filiar-se no atraso da sua consciência de classe, no seu individualismo característico, por via do qual julgam obter, sozinhos, as condições de vida que só colectivamente, unidos e em luta, conseguirão.

O que há que combater, não é a «praça de jorna» tomada isoladamente: são, sim todos os espectáculos humilhantes da sociedade capitalista; é o regime de trabalho a que estão sujeitos os proletários do campo e da cidade pela classe dominante; é a exploração brutal dum homem por outro homem.

Mas então – haverá quem pergunte – é a praça de jorna um processo mais progressivo e mais útil de contratar trabalho do que o processo individual de contrato em casa dos patrões ou dos camponeses? Afirmamos que sim.

Embora não tenhamos dados históricos sobre a instituição das «praças», o facto de elas vigorarem na região do país em que o proletariado rural está mais diferenciado e atingiu maior consciência de classe, leva-nos a admitir que as «praças» foram, em tempos, uma reivindicação camponesa, um passo em frente em relação ao contrato-individual.

O que mais importa, porém, é saber se a formação e defesa das «praças de jorna», no estado actual da classe camponesa dentro do regime salazarista, é ou não uma palavra de ordem justa e de interesse para o movimento de unidade camponesa, e se, por consequência, contribui ou não para a libertação dos camponeses do jugo fascista.

Que a «praça» é útil ao movimento de unidade dos camponeses assalariados, prova-o a resistência constante que o patronato opõe ao funcionamento normal das «praças». Assim, durante a luta contra a tabela de salários imposta pelas Comissões Arbitrárias em 1943, os patrões propuseram salários superiores ao da tabela, com a condição de que as «praças» fossem suspensas. Desse modo, iriam compensar-se mais tarde daquilo que pagariam a mais naquela altura. Também, numa certa localidade em que a tradição na «praça», há muito tempo desaparecida, foi retomada pelos trabalhadores, os patrões evitaram mandar os seus capatazes à «praça» durante duas semanas seguidas, pois sabiam, como de facto sucedeu, que as jornas subiriam logo em seguida.

Dizemos que a «praça» é útil à unidade dos camponeses; e não simplesmente à subida das jornas, porque a «praça» não representa apenas um campo de luta por melhores jornas, mas também por outras condições de trabalho: e, além disso, porque é somente através da sua unidade que os camponeses conseguirão melhorar essas condições e o seu nível de vida.

É bem sabido que a união faz a força. E a «praça de jorna» comprova o ditado. Naquela, o trabalhador sente a força da união dos companheiros; levanta a voz; teima; defende os seus direitos. Ao passo que, no pátio do patrão ou na sua casa, porque está isolado, o trabalhador sente-se fraco: cala-se com um copo de vinho; trai os seus interesses e dos seus companheiros. Tanto assim é que, mesmo na «praça», os capatazes ou os patrões estão sempre a puxar homens menos firmes para a taberna ou para a conversa à parte a fim de abrirem brechas na unidade dos trabalhadores.

Eis um exemplo claro da utilidade das «praças»: Numa certa localidade em que a «praça» vigorava há pouco tempo, uns 4 trabalhadores ajustaram preços e hora de «ferra» diferentes daquilo que estava em vigor. Na manhã seguinte, na «praça», os companheiros deram por falta deles, souberam do caso, e ameaçaram ir buscá-los a bem ou a mal. Tanto bastou para que os outros anulassem o contrato e regressassem `«praça». Foi esta, portanto, que despertou nos 4 camponeses a noção da solidariedade no trabalho, a consciência da unidade da classe. Unidade esta, que está bem patente no hábito da «molhadura» -- o vinho que o patrão se obriga a dar a cada homem, após o ajuste – que nenhum trabalhador deve beber antes dos seus companheiros. (A molhadura» é também a garantia do contrato firmado entre as duas partes.) Unidade que tem de se afirmar também, na «praça», quando os patrões querem contratar somente os trabalhadores fisicamente mais fortes, deixando os mais fracos sem ganha-pão, ou oferecendo-lhes jornas inferiores, o que deve ser repudiado pelos companheiros que ainda não desgastaram, como aqueles, a sua orça de trabalho.

Que as «praças de jornas» funcionem todos os dias ou semanalmente aos domingos de tarde ou às segundas-feiras de manhã, isso depende do hábito e da natureza dos trabalhadores agrícolas, embora achemos preferível a «praça» à semana e às segundas-feiras, porque assim os camponeses ficam com os domingos por sua conta, aguentam melhor o nível das jornas e asseguram trabalho por mais tempo. O que mais importa é fazer-se da praça de jornas um baluarte de unidade para a luta dos trabalhadores rurais pelos seus interesses imediatos.

Contribuindo para a unidade dos camponeses assalariados que devem ser a vanguarda da classe camponesa e os mais íntimos aliados dos operários, a praça de jornas contribuirá também para a libertação do povo do jugo fascista. Porque essa libertação só pode conseguir-se inteiramente, por meio da unidade de todas as camadas do povo português na luta diária, económica e política, contra a exploração, a miséria e a incultura impostas pelo Estado Corporativo.

III

No entanto, não basta lançar a palavra de ordem de formação de novas «praças» e defesa das que existem. É preciso organizar as praças de jornas para a luta. Sem organização, pode vigorar a «praça», pode haver espírito de unidade entre os camponeses, mas essa unidade não poderá concretizar-se no decorrer das lutas pelas condições de trabalho; tão pouco os camponeses poderão sair vitoriosos e consolidar essas vitórias.

Eis um exemplo entre muitos. Em determinada «praça», um trabalhador consciente e de prestígio era quem dirigia o ajuste e dava sinal para beber a molhadura. Mas porque não tinha inteiro apoio e estava sozinho a manter a frente dos trabalhadores na «praça», sucedia que sempre alguns companheiros lhe estragavam o ajuste, aceitando jornas mais baixas. Por sua vez, os patrões tentaram peitá-lo: oferecendo-lhe jornas mais elevadas, que ele merecia, mas que recusou porque era um homem honesto, um defensor da sua classe, enfim: um comunista. Apesar disso, não conseguiu assegurar a unidade dos trabalhadores nem as jornas altas, senão quando guiado pelo Partido Comunista a que aderiu, organizou de comum acordo uma «Comissão de praça» para dirigir as lutas.

O que é então uma «Comissão de praça»? É uma Comissão de Unidade dos Camponeses Assalariados, composta por 4 ou 8 ou até mais elementos (conforme o número daqueles que vão à «praça»), nomeados por todos ou pela maioria como os mais honestos, mais firmes e mais combativos, capazes de unir os seus companheiros na «praça». Trata-se, pois de uma comissão idêntica às Comissões de Unidade dos operários nas fábricas, oficinas, etc., e de modo idêntico formada por trabalhadores de várias tendências políticas e religiosas, mas defensores dos interesses dos seus companheiros de trabalho. O que não proíbe, antes obriga, a que façam parte dessa Comissão um ou mais elementos das organizações antifascistas locais (MUD ou Unidade Nacional), especialmente um ou mais elementos do Comité Local do Partido Comunista, o grande Partido das massas trabalhadoras.

Quais as tarefas que competem à Comissão de praça? Fundamentalmente, a Comissão tratará de todas as condições de trabalho dos camponeses em «praça»: ajuste de salários ou jornas; modo de execução de certos trabalhos; horário de trabalho (hora de «ferra» e «desferra»); hora de sesta; dia de «praça»; quantidade de «molhadura».

Para o bom desempenho das suas atribuições, a Comissão de praça manterá estreito contacto com as massas camponesas, a fim de saber a tempo as suas disposições e garantir o seu apoio.

Mas isto não basta. Visto que a «praça» é um campo de luta de interesses opostos, entre elementos de classes opostas (trabalhadores e patrões); visto que os patrões também se unem para a luta na «praça» apoiando-se, por vezes, nas autoridades fascistas, sairá vencedor quem usar de melhor táctica. Queremos dizer, que a Comissão deverá estudar a situação da luta diária ou semanal, e saber quando deve recuar ou avançar, em defensiva ou ofensiva. Assim, estudando a natureza dos trabalhos em curso (cavas, podas, etc.), ou a urgência do patronato devido ao estado do tempo (sulfatagem ou curas, consertos de valados), ou a falta de braços em períodos de trabalho intensivo (ceifas, vindimas), a Comissão tentará um aumento nas jornas --prepara uma ofensiva. Estudando a falta de trabalho no campo ou a concorrência da maltesia (gaibéus e ganhões), a Comissão evitará que as jornas desçam muito e depressa – prepara uma defensiva. Ofensiva e defensiva que se podem dar ao mesmo tempo, como por exemplo: sabendo-se que no fim da sementeira haverá crise de trabalho, a Comissão de praça força a subida das jornas no começo da faina.

Tudo se resume à unidade e acção organizadas: acção da Comissão de praça e unidade dos camponeses na «praça» e nos ranchos.

IV

É evidente que, para levar avante tão sérias tarefas, a Comissão de praça deverá ser permanente, isto é, manter-se sempre como organismo dirigente de «praça» mesmo quando não haja motivos de luta.

Também a experiência ensina que a Comissão deverá ter carácter legal, isto é, ser conhecida e aceite pelo patronato. Todavia, não convém que a maioria dos seus elementos seja individualmente conhecida como dirigente da «praça». Evitar-se-ão, assim, as represálias dos patrões sobre este ou aquele elemento da Comissão, ou mesmo a violência das autoridades, em casos de luta mais acesa.

Mas então --- pergunta-se --- como deverá actuar a Comissão de praça? A actuação dependerá das circunstâncias, conforme o objectivo da luta, o número de camponeses em «praça» e a força da unidade. De modo geral, se o objectivo é as jornas, a Comissão combina em conjunto, depois de conhecer a opinião nos ranchos, qual a jorna que se deve exigir. Em seguida, lança a palavra de ordem, por boca ou por escrito nas paredes, tal como: «Amanhã a praça deve sair a 30$00.» Finalmente, na «praça», depois de «aberto o preço» pelos capatazes, cada elemento da Comissão «aguenta» um grupo de companheiros na defesa da jorna combinada.

Em certa «praça» experiente e unida, a Comissão tem mesmo «brigadas de choque» para resistirem à guarda republicana quando chamada pelos patrões fascistas, e também para dominarem os trabalhadores vendidos ao patronato, quando os há. (Aí, a luta pelas jornas chega a demorar até à 1 hora da madrugada e a provocar tumultos). No entanto, é pelos bons exemplos e boas palavras, não pela força, que se consegue e deve convencer os trabalhadores vendidos, individualistas e inconscientes.

Mas várias «praças» há, a que não vão apenas homens: vão também mulheres. E estas merecem maior organização e solidariedade, quer pelo seu atraso geral quer porque substituem os homens em alguns trabalhos, ganhando por metade daqueles, o que só beneficia os patrões.

A mulher sofre mais do que o homem as injustiças sociais; tem actuado vivamente nas lutas contra o fascismo; e desempenhará papel importante, ao lado do homem, na construção da sociedade futura. No entanto, os trabalhadores do campo e da cidade não têm tido em devida conta as condições de vida das mulheres, sem as quais não é possível a completa emancipação das classes proletárias. Somente nós, comunistas, consideramos a mulher uma companheira no trabalho e uma camarada na luta.

É preciso organizar as camponesas na «praça», ainda que as jornas das mulheres estejam, até certo ponto, dependentes das jornas dos homens e até por isso mesmo, pois não é justo que, em trabalho igual, a mulher ganhe quase sempre por metade do homem.

Mas como organizá-los? Deverá formar-se uma Comissão de praça mista, composta de homens e mulheres, ou deverá formar-se uma Comissão feminina, ao lado da Comissão masculina? Melhor seria que as Comissões de praça fossem mistas, para que as mulheres, de permeio com os homens, ganhassem mais força de acção e experiência. Mas, porque as «praças» são distintas, embora funcionem no mesmo local, é preferível a formação de Comissões de praça femininas, às quais competem as mesmas tarefas das Comissões de praça masculinas.

A organização das camponesas assalariadas é tarefa difícil, mas não impossível. Cumpre às Comissões de praça dos homens; cumpre aos pais, aos maridos, aos namorados das camponesas, orientá-la e organizá-las na luta diária pelos seus interesses e na luta geral pelos interesses da classe.

V

Também a organização dos jovens camponeses deve merecer especial cuidado às Comissões de praça. Se, em geral, os jovens que vão às «praças» lutam como os adultos e são contratados nas mesmas condições, casos há em que estão sujeitos a piores jornas embora realizem os mesmos trabalhos, como sucede com as mulheres.

De todo o modo, cumpre às Comissões de praça mobilizar e unir os jovens para a luta por melhores condições de trabalho, aproveitando o seu entusiasmo, o seu espírito combativo; cumpre-lhes transmitir aos jovens, aos «homens de amanhã», a sua experiência de luta pela vida no campo e nas «praças». Portanto, devem os trabalhadores adultos, ao nomearem as suas Comissões, incluir nelas, sem receio, dois ou mais representantes da juventude.

Por sua vez, os jovens camponeses não se limitarão a estar representados nas Comissões de praça. Em cada localidade, os jovens devem ter a sua organização própria, aberta a todos os rapazes e raparigas de todas as profissões e dirigida por UMA AMPLA COMISSÃO JUVENIL e legal, à qual compete tratar dos interesses e aspirações da juventude da sua localidade, respeitante ao trabalho, à cultura e ao desporto. Comissão essa, dividida em secções que terá os seus delegados camponeses na Comissão de praça (secção de trabalho), assim como nas colectividades recreativas e desportivas (secção de cultura e desporto), muito especialmente nas Casas do Povo.

Isto significa que os jovens trabalhadores eleitos para as Comissões de praça, tanto podem ser o ponto de partida para a formação daquela ampla Comissão local que eles próprios devem organizar nos pequenos meios rurais, como podem ser os delegados dessa Comissão legal, quando ela já exista.

Quais as tarefas fundamentais que competem aos jovens camponeses organizados na «praça de jornas»? É seu dever contribuir para a unidade camponesa na «praça» e nos ranchos; prestar solidariedade aos seus companheiros de trabalho; animar as jovens camponesas para a luta organizada dentro da sua «praça»; exigir sempre, PARA TRABALHO IGUAL, JORNA IGUAL à dos adultos; defender, junto da direcção das Casas do Povo, os interesses da juventude, nomeadamente, o direito de sócio para jovens trabalhadores com menos de 18 anos; e atrair as massas juvenis para a Casa do Povo, realizando aí tarefas progressivas, tais como: cursos nocturnos para analfabetos, récitas de teatro e concertos musicais, festivais desportivos.

A unidade e acção dos jovens trabalhadores rurais, ombro a ombro com os homens, na luta contra o fascismo, serão a garantia segura da conquista dum futuro melhor para a classe camponesa.

VI

O conhecimento das condições de trabalho nas outras «praças» da região é factor importante para uma Comissão de praça. Mas ainda: em certas povoações, só o entendimento com as Comissões de praça vizinhas pode assegurar boas condições de trabalho nessas povoações. E porquê? Porque as jornas, a hora da «ferra», etc., numa «praça», influenciam as condições em vigor noutra «praça» vizinha porque os lavradores duma povoação podem ir buscar trabalhadores em melhores condições a outra povoação.

Nestas circunstâncias, há que estabelecer a unidade camponesa entre as praças de jorna duma área, por intermédio das Comissões, que manterão contacto entre si. Melhor será formar uma «Comissão Regional de Unidade» para coordenar a luta dos camponeses nas “praças” dessa área, e composta por um ou mais delegados de cada Comissão de praça.

Evoluindo de locais para regionais, as Comissões de praça fazem alastrar e enraizar mais o movimento de Unidade, entre os camponeses assalariados.

Também, na medida em que as prestigiam e consolidam, as Comissões deverão alargar a actividade para fora das «praças», interferindo em todos os sectores da vida social que diga respeito à classe camponesa da sua localidade, tais como: racionamento, melhoramentos locais, direcção da Casa do Povo, eleições gerais.

Num recente movimento de massas por maior racionamento de pão, no qual as mulheres tiveram acção preponderante, foram as Comissões de praça que dirigiram a luta em várias localidades. E em Outubro-Novembro de 1945, durante a campanha eleitoral, houve Comissões de praça que aderiram ao movimento de Unidade Democrática, na qualidade de «comissões profissionais». Actuaram assim como verdadeiros Comités de Unidade, representativos de toda a classe camponesa local. E isto é uma evolução das Comissões de praça, num sentido mais amplo e progressivo.

Entre todos aqueles sectores de actividade camponesa relacionados com a Comissão de praça, são as Casas do Povo que, pela maior importância social, exigem mais atenção. E vejamos porquê.

As Casas do Povo têm por fim (artigo 5º dos estatutos-modelo) representar os trabalhadores inscritos como sócios efectivos, no estudo e na defesa dos seus interesses económicos e sociais; desenvolver a assistência e a previdência, pelo auxílio em casos de doença, desemprego, invalidez e velhice; cooperar no ensino aos adultos e às crianças; realizar melhoramentos locais. Ao abrigo destas disposições -- fazendo cumpri-las – os camponeses podem e devem realizar uma obra social importantíssima para a sua classe e para a população camponesa em geral. Por outro lado, sendo a Casa do Povo um organismo misto de trabalhadores e lavradores, é na Casa do Povo que melhor se pode formar a unidade antifascista, o entendimento das grandes massas rurais (trabalhadores, rendeiros e médios proprietários) exploradas pela organização corporativa e interessadas, pois, na sua destruição.

É claro que a Casa do Povo também é uma instituição corporativa apesar dos seus fins sociais, não substitui as antigas Associações de Classe dos trabalhadores rurais. É claro também, que ao Estado Salazarista não interessa cumprir, em benefício dos trabalhadores, as obrigações estabelecidas nos estatutos das Casas do Povo. O Estado Salazarista usa demagogia mais refinada: promete facilmente, mas não dá de boa mente. No entanto, e por isso mesmo, é necessário que os camponeses tomem posse das Casas do Povo, das «suas Casas».

De que modo? Estudando os estatutos e fazendo pressão sobre os actuais dirigentes, para que ponham em prática as regalias instituídas. Exigindo eleições livres nas Casas do Povo, dentro do prazo. Substituindo, com o seu voto, os dirigentes inactivos e traidores por camponeses leais e activos, nos cargos de Direcção. Finalmente, convencendo os lavradores honestos a que substituam os agrários fascistas, nos lugares da Mesa da Assembleia Geral.

Eis aqui a grande tarefa das Comissões de praça, como dirigentes que são das massas trabalhadoras do campo, para que estas sigam na peugada dos seus irmãos proletários --- os operários --- que já conquistaram e transformaram, em seu proveito muitos sindicatos fascistas. Até mesmo porque, sem a posse das Casas do Povo pelos camponeses, as vantagens conseguidas nas praças de jornas podem ser anuladas de um dia para o outro, com os contratos colectivos de trabalho impostos pelos dirigentes das Casas do Povo ao serviço dos patrões. E este perigo será evitado, desde que os contratos colectivos sejam feitos e postos em prática com a participação dos legítimos representantes dos trabalhadores.

Além de tudo, os camponeses têm de desenvolver o seu espírito associativo: criar os seus organismos colectivos de direcção e aprender a resolver os seus próprios problemas; para que amanhã, morto o fascismo, venham a ter um lugar digno na Comunidade Nacional.

VII

Nesta altura, haverá pessimistas que perguntem:

--- Tudo isso está muito certo, mas se o patrões não quiserem pagar as jornas mais altas que irão fazer os camponeses? Trabalhar… Pois.


A esses pessimistas responderemos com outra pergunta: --- E se os camponeses não quiserem trabalhar por tais jornas, que irão fazer os patrões? Trabalhar… não.

Se é certo que os camponeses têm de trabalhar para viver e que os patrões podem viver sem trabalhar, não menos certo é que os trabalhadores rurais têm meios de defesa próprios, o melhor dos quais é a sua unidade de acção --- «todos por um e um por todos».

Mas a um outro meio de defesa nos queremos referir. É às «Caixas de Solidariedade» ou «Caixas de Resistência», criadas pelos operários, mas ainda desconhecidas pelos camponeses.

O que são, como funcionam, e a que se destinam?

Chama-se Caixa de Solidariedade a associação legal de quaisquer trabalhadores, em número não superior a 20 (quando superior, são obrigados por lei a estatutos), que se quotizam de comum acordo, com o fim de se auxiliarem mutuamente ao fim de certo tempo e em determinadas circunstâncias (doenças, falta de trabalho), e dirigidas por um secretário um tesoureiro escolhidos entre os 20 sócios.

Que vantagens oferecem essas Caixas, em relação às praças de jornas? Estabelecidas por vários grupos de 20 camponeses, com o fim de auxiliarem os sócios sem trabalho e ligadas entre si pela Comissão de praça (esta ligação deveria ser secreta, porque contraria a lei), as Caixas de Solidariedade poderiam fortalecer a resistência dos camponeses, em casos de conflito com os patrões, pois que os seus fundos iriam auxiliar os sócios que, por tal motivo, deixassem de trabalhar durante um ou dois dias, ou mesmo uma semana.

Queiram os camponeses assalariados fundar Caixas de Resistência, que não faltarão camaradas experientes para lhes ensinar em pormenor as regras de funcionamento de tais Caixas. «Querer é poder» --- e os camponeses podem e devem fundá-las.

VIII

Neste esboço sobre a maneira como utilizar as praças de jornas ou praças de trabalho no Movimento de Unidade Camponesa para o derrubamento do fascismo, reportamo-nos a um tipo de Comissões de Unidade: as «Comissões de praça».

Não obstante, algumas normas indicadas poderão aproveitar às Comissões camponesas de outro tipo.

Trabalhar pela formação de Comissões de Unidade camponesa ---Comissões de Praça, Comissões Locais, Comissões de Herdade, Comissões de Rancho --- com objectivos definidos, é dever de todos os lutadores antifascistas, é dever de todos os camponeses conscientes.


Agosto de 1946



Soeiro Pereira Gomes



















sábado, 8 de novembro de 2008

O Caderno de Saramago/1


O Caderno de Saramago

A guerra que não chegou a ser
E esta? Em Março de 1975, e mais acentuadamente no mês seguinte, chegaram-nos rumores a Portugal do desagrado do governo espanhol, então presidido por Carlos Arias Navarro, quanto aos caminhos, perigosos em seu entender, que a revolução portuguesa estava tomando. A derrota do golpe militar direitista de 11 de Março, de que o general Spínola havia sido inspirador e chefe, teve como imediata consequência o revigoramento das forças políticas de esquerda, incluindo as organizações sindicais. Ao que parece, Arias Navarro entrou em pânico, a tal ponto que, num encontro com o vice-secretário de Estado norte-americano Robert Ingersoll, manifestou a ideia de que Portugal era uma séria ameaça para Espanha, não só pelo desenvolvimento que a situação ali estava tomando, mas também pelo apoio exterior que poderia obter e que seria hostil a Espanha. O passo seguinte, segundo Arias Navarro, poderia ser a guerra. Da informação que, acto contínuo, Ingersoll transmitiu ao secretário de Estado Henry Kissinger, consta o seguinte: “Espanha estaria disposta a lançar sozinha o combate anti-comunista se é necessário. É um país forte e próspero. Não quer pedir ajuda, mas confia em que terá a cooperação e a compreensão dos seus amigos, não só no interesse de Espanha, mas também de todos aqueles que pensam da mesma maneira”. Numa outra conversação em 9 de Abril com Wells Stabler, embaixador dos Estados Unidos, Arias Navarro disse que “o Exército espanhol conhece os perigos do comunismo pela experiência da Guerra Civil e está totalmente unido”.
E esta? Nós, aqui, preocupados em pôr de pé, contra os mil ventos e marés de dentro e os que estavam a ser preparados de fora, um futuro mais digno para Portugal, e os nossos vizinhos, nuestros hermanos, a tramarem com os Estados Unidos uma guerra que provavelmente nos deixaria destruídos e, não duvidemos, mal-ferida a própria Espanha. Depois das conversações que Franco manteve no passado com a Alemanha de Hitler com vista à partilha, pataca a mim, pataca a ti, das colónias portuguesas, pairava agora sobre as nossas cabeças a ameaça explícita de uma invasão à qual talvez só tenha faltado o sim do Estados Unidos.Terei de dizer que não foi para isto que escrevi A jangada de pedra?

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Rotativismo político -- Raúl Proença


ROTATIVISMO POLÍTICO E ESTABELIDADE POLÍTICA GOVERNATIVA

Parece que o problema capital desta República é agora o aniquilamento absoluto dos pequenos agrupamentos partidários. É este, como se sabe, o mot-dórdre olímpico dos bonzos eleitos no último congresso democrático. Estamos na hora extremamente pícara em que os Tavares Ferreira, travestis em Cipiões, pronunciam o Delenda Carthago. E o mais interessante do caso é que entre os políticos que parecem dispostos a dar a sua adesão a esse pitoresco plano de extermínio, estão precisamente os independentes! Enfim, é um tributo prestado ao génio e à inteligência. Não teríamos sido lógicos, se tivéssemos tido lógica uma só vez na vida.
O que se pretende, afinal? Fundar o rotativismo e assegurar a estabilidade governamental.
Mas, embora se possa divergir com boas razões do rotativismo, o que é certo é que há um rotativismo saudável, como há um rotativismo doentio, e até criminoso; uma estabilidade benéfica, ao lado duma estabilidade perniciosa.
Analisemos.
O rotativismo só pode constituir uma modalidade saudável da vida política quando é exercido por dois partidos de feição doutrinária divergente e oposta, quando esses partidos representam dois grandes sistemas gerais de opinião perfeitamente distintas e um deles seria na vida política e na governação o correctivo indispensável do outro. É o que se dá entre nós? Evidentemente que não. Ambos os partidos que neste momento, depois da irradiação dos canhotos, pretendem alternar-se no poder, têm uma feição caracteristicamente conservadora. Não se distinguem um do outro senão pelas pessoas que os constituem. Alternar-se-iam, pois, as gamelas, não se alternariam as opiniões. Seria um rotativismo de estômagos, não seria um rotativismo de tendências. É esse que os srs. querem, para maior triunfo da democracia, parecendo assim assegurar a perfeita normalidade do sistema republicano, quando não fazem mais que falsificá-lo e pervertê-lo?Também toda a gente reconhece, como uma condição da vida hígida do Estado e do bom funcionamento das instituições políticas, um mínimo de estabilidade governativa. Muito bem. mas nós não ficamos por aqui – e é nisto que nos distinguimos dos brutos. Reconhecemos igualmente que acima da estabilidade há os princípios, as aspirações, as capacidades, o valor dos partidos em benefícios dos quais ela se realiza. Nada mais proveitoso para o país que a estabilidade dum governo de homens inteligentes, honestos, livres de toda a clientela financeira, desempoeirados do espírito, com bastante largueza de inteligência para compreender na sua essência e nas suas diversas modalidades os problemas nacionais, com bastante capacidade de acção para começar a resolvê-los, com bastante energia para meter na ordem todos os que conspirem contra ela, com bastante carácter para não trair as belas promessas do tempo da propaganda, a que miseravelmente estamos faltando todos os dias. Mas a estabilidade dum governo de bonzos, incontestavelmente estúpidos (com ofensa e sem favor), de inteligência
empedernida por uma fossilização multi-secular (o sr. Silva Barreto, por exemplo, é do jurássico inferior), absolutamente incapazes, por constituição mental, de ver os problemas com toda a clareza e amplitude, e ainda por cima pertencendo na sua maior parte à firma Parlamento, Nunes & C.ª, com as afinidades mais suspeitas, essa é decerto a maior calamidade que pode sofrer qualquer país.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Relax

Análises
Vinho tinto ... 13,1 -- o,59 -- 997,11
Vinho branco .. 13,1 -- 0,53 -- 993,31
Análises melhores que estas só as minhas!
Aceitam-se inscrições para a abertura da pinga.
Depois do Congresso

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Papoupa na calçada

Papoula na calçada
Encalhada entre calhaus por onde passam carros
conseguiu florir toda vermelha e a tempo.
E isto dá certa esperança.
Paulo Quintela

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Vida


(papoula)

TERAPIA
Para no sucumbir
ante la tentación
del precipicio
el mejor tratamiento
es el fornicio
Mario Beneditti

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Mistérios

INVESTIGAR a INVESTIGAÇÃO DESAPARECIDA e o MISTÉRIO das CARTAS de CONDUÇÃO

«Hoje o almoço é amanhã
Fernando Pessoa

Como é possível?!... Interrogou, exclamou, retitenciou, vociferou.

O meu amigo Elias tomava a bica no café do bairro por entre fumadores reprimidos, muitos dos quais, quando o empregado lhes servia o café tinham sobre a mesa o maço de tabaco e o isqueiro, bebiam um golinho de café e corriam até à porta para puxar a fumaça.

Foi neste ambiente de desconforto que o meu amigo Elias lançou o alerta: “Alguém viu por a anterior investigação da Autoridade da Concorrência às petrolíferas?”

Um dos fumadores que se encontrava à porta, fronteira da transgressão, e porque a palavraautoridade” o amedrontou, engasgou-se com o fumo, deitou de imediato o resto do cigarro para o passeio, vala comum de beatas, e, submisso, jurou que não tinha visto nada.

Patrão, empregados e toda a clientela ficaram em suspenso e o meu amigo Elias, mais calmo, esclareceu: “Vem aqui no jornal em letras gordas”: «A anterior investigação da Autoridade da Concorrência às petrolíferas “desapareceu”».

O senhor Justino, porteiro reformado da PJ, foi peremptório: “não tarda nada vão chatear a mulher da limpeza por ter amandado a papelada pró lixo.”

Desde 2004 que andam a investigar as três maiores petrolíferas, esclareceu o meu amigo Elias e segundo o anterior presidente da Autoridade da Concorrência a investigação podia originar um resultadoperverso”. O paralelismo de preços é evidente, esclareceu ainda o senhor ex-presidente, sem referir qualquer perversidade neste comportamento. Na investigação desaparecida constam neste relatório de actividade duas referências concretas relativas a 2004 e 2005.

pra mim, foi isso mesmo, disse o senhor Olímpio depois de emborcar um tintol. Isso mesmo o quê? Questionou o da PJ. Ó patrão, uma taça de branco ali pró da PJ, encomendou o Olímpio e prosseguiu:

Com quase cinco anos, a papelada devia andar com as folhas trocadas e como a Autoridade da Concorrência não acertava caquilo, pumba, pró caixote. Tá-se mesmo a ver.

Tá-se, tá-se, sublinhou o cliente que ficou junto à porta para puxar umas passas. E continuou: Mas ca ganda falta de cuidado!... Então e agora? O meu primo fanou uma carteira e foi de cana e se tivermos em conta os cinco euros que roubou em relação aos milhões que as petrolíferas nos têm gamado, vão levar três mil anos de prisa, como aquele tipo da ETA.

Alguém, entre a tosse que a gargalhada lhe provocou, não se cansava de repetir: Tá-se mesmo a ver! Tá-se, tá-se!

E o mistério das cartas de condução? Milhares de pedidos de carta de condução desapareceram misteriosamente; os elementos incluem fotografias, atestados e toda a documentação obrigatória. Segundo o presidente do Instituto de Mobilidade e Transportes Terrestres, seriam 73 mil, mais tarde rectificou para 46 mil e agora «estima» que sejam «apenas» seis mil.

Mas ca ganda desastre!, exclamou o reformado da PJ. E há muitos feridos?, perguntou o Olímpio.

Não! Mas lesados somos todos.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

O Museu do Manholas

O MUSEU DO MANHOLAS

Povo que dorme, tirania que desperta.”

O Arco de Sant’Ana – Almeida Garrett

Os ideólogos do terror são como a Hidra e se não permanecermos despertos e vigilantes estamos sujeitos ao que, tão sabiamente, Garrett sintetiza deste modo: “Povo que dorme, tirania que desperta!».

Os fascistas de serviço, de tempos a tempos, lançam a ideia da construção do museu do seu ídolo e patronoaquele que tinha na secretária as fotografias de Adolfo Hitler e Mussolini -- e porque nunca se sentirão satisfeitos, se conseguissem levar a cabo tão macabros intentos imporiam, mais tarde, a ida do pantasma para o Panteão e tudo aconteceria, obviamente, dentro da normalidade democrática, espezinhando embora a Constituição, caso não houvesse quem se impusesse a tais desígnios, ou seja, os que se mantivessem acordados.

Há, pois, quem se insurja quanto à concretização do museu consagrado a Salazar e, dentro dos moldes propostos, esta preocupação é saudável.

Mas o ditador não deve ser esquecido; as novas gerações devem saber quem foi e os sofrimentos que causou para que mais tarde, na base da ignorância colectiva, não possam impor a imagem beatificada daquele que personifica o fascismo por todos nós sofrido.

E porque nunca é demais recordar todos os malefícios por ele causados, considero que devíamos aproveitar essa magnífica oportunidade para criar um museu que recordaria os quarenta e oito anos de miséria e da repressão para a manter.

Seria um espaço amplo, onde fosse possível reproduzir as “frigideiras” e algumas celas do Tarrafal, com acesso a uma base de dados que permitisse um profundo conhecimento do “campo da morte lentaonde muitos foram assassinados, negando-lhes, muito simplesmente, os medicamentos, tais como o quinino, indispensável para suportar as febres palustres.

Deveriam também constar informações detalhadas sobre o analfabetismo por ele imposto – o povo devia saber ler e contar, dizia eleassim como a repressão generalizada a que não escaparam os intelectuais dignos que nunca se vergaram.

Um amplo pavilhão sobre a emigração. Quantas famílias desfeitas; quantos dos que emigraram a salto para fugir à fome e à guerra ficaram pelo caminho.

Um outro grande espaço sobre a guerra colonial. Dez mil mortos, quantas lágrimas, quanta dor e luto; quarenta mil estropiados, como contabilizar o sofrimento que ainda se matem; sem esquecer os duzentos mil afectados psicologicamente!

Por que não expor toda esta herança deixada por essa sinistra personagem?

Porque a repressão não se manifestou nas perseguições políticas dos assassinatos à bala, em plena rua, ou na tortura até à morte; a repressão descia ao quotidiano no beijo que era proibido dar; tão grave delito estava sujeito a coima tal como o portador de isqueiro que não tivesse licença.

Querem museu? Porque não?! Proporia mesmo que se criassem ecomuseus em cada Região, Província, concelho, cidade, bairro e se fizessem levantamentos fotográficos de como se encontravam os caminhos, a falta de saneamento básico, o acesso à água nos fontanários ou nascentes de chafurdo, a iluminação eléctrica que à maior parte dos lares chegou com o 25 de Abril: tudo o que pudesse recordar às populações a situação degradante em que tinham vivido seria exposto.

E ao museu as escolas periodicamente conduziriam os alunos em visitas de estudo para que as novas gerações melhor se apercebessem de todo o mal que nos fez e do estado miserável em que nos deixou a Pátria que nos recusou durante quarenta e oito anos.