quarta-feira, 30 de maio de 2018

HISTÓRIA EXEMPLAR - Mário Henrique Leiria


HISTÓRIA EXEMPLAR

Entrei.
- Tire o chapéu – disse o Senhor Director.
Tirei o chapéu.
- Sente-se – determinou o Senhor Director.
Sentei-me.
- O que deseja? – investigou o Senhor Director.
Levantei-me, pus o chapéu e dei duas latadas no
Senhor Director.
Saí.

terça-feira, 29 de maio de 2018

Holanda - Oswaldo Osório

Holanda

holanda companheiros
chegámos
chegámos com barcos guildas nos olhos e desejo de vencer

chegámos intermináveis e actuais às docas
betão aço cargueiros e braços precisados
chegámos numa dimensão nova
(ah as roças de s. tomé serviçal meu irmão)
e pusemos todo o nosso esforço
lubrificámos máquinas
alimentámos caldeiras
navegámos por oceanos de fogo e fiordes de gelo
mas foi nos mares da terra nova
no tempo em que de boston a américa mandava seus barcos baleeiros
para nos contratar
que ganhámos o bronze da nossa pele

        The Best Sailors of the World

sob bandeiras estrangeiras brigámos guerras que não eram nossas
para agora amarmos ao ritmo de torno novo
e múltiplas bocas ao nos verem dizem
      
        Let them get by

chegámos às docas companheiros
nas docas com barcos guildas nos olhos e nossa terra nos nossos sonhos
chegámos intermináveis para o match
e pusémos todo o nosso esforço na luta
pusémos esperança na nossa força de trabalho
e quando nos vêem chegar dizem

      Let them get by

aqui ou ali passaremos sempre porque chegámos companheiros
a esperança transformada em actos nos nossos punhos

a seca o sol o sal o mar a morna a morte a luta o luto
ao nos verem passar dizem que ultrapassaremos os sonhos
e o match é em nossa terra que vai terminar



domingo, 27 de maio de 2018

MEIO SÉCULO E TÃO CHEGADO A TI - Jorge Falcone



MEIO SÉCULO E TÃO CHEGADO A TI

Tu sabes Comandante,
que "aprendemos a querer-te" (*),
que estamos "consternados,
raivoso "(**) ...
mas "o poeta eras tu" (***)
E está sendo
tão difícil  emular-te!
Este inverno da pátria precisa
aquele verão do teu sorriso.
Nas tuas fotos
que sempre me acompanham
ora te mostras pensativo,
ora radiante ante Fidel,
e noutras descontraído
acendendo um havano,
em algumas enlameado e sorridente
depois do trabalho,
noutro concentrado
preparando na câmara
o próximo tiro,
ou recostado como um Deus
que nos está sonhando,
golfista em plena trégua
do combate que ainda livramos,
curando penas
com o teu sorriso-bálsamo,
orador cercado por mambíes
matizando a tua voz
com um bom tabaco,
semblante descontraído
em função do governo,
riso de satisfação
com o que está mudando,
e aquele retrato-emblema
do que vê mais longe,
um longo aspirar no puro
prevendo quanto
vai custar o futuro,
a expressão irónica do que sabe
ser duro na batalha
e terna a retaguarda,
o gesto de advertência do que pode
ser firme se necessário
mesmo frente a quem ame,
sombrio por vezes
e noutros luminoso,
não duvido que enfrentas-te,
lês-te e abraças-te
quem se devia.
Na trincheira que hoje me toca
eu procuro-te em todos os momentos.

Jorge Falcone

(*): Citação do compositor cubano Carlos Puebla
(**): citação do poeta uruguaio Mario Benedetti
(***): citação do cantor e compositor cubano Pablo Milanés

sábado, 26 de maio de 2018

NÃO SE DEVE… - Jaques Prévert



NÃO SE DEVE…


Não se deve deixar os intelectuais brincar com os fósforos
Porque, meus senhores, quando o deixam sozinho
O mundo mental meus senhores
Não é nada brilhante
E mal se apanha sozinho
Age arbitrariamente
Erigindo a si próprio
Alegada e generosamente em honra dos trabalhadores da
construção civil
Um auto-monumento
Não é demais insistir, meus senhores
Quando o deixam sozinho
O mundo mental
Mente
Monumentalmente.






(tradução de Manuela Torres)

IL NE FAUT PAS…

il ne faut pas laisser les intellectuels jouer avec les allumettes
Parce que Messieurs quand on le laisse seul
Le monde mental Messssieurs
N’est pas du tout brillant
Et sitôt qu’il est seul
Travaille arbitrairement
S’érigeant pour soi-même
Et soi-disant généreusement en l’honneur des travailleurs du
bâtiment
Un auto-monument
Répétons-le Messssssieurs
Quand on le laisse seul
Le monde mental
Ment
Monumentalement.


4/1/1900 – 11/4/1977
Jaques Prévert
(Paroles – 1949)