quinta-feira, 30 de junho de 2016

Hino de Caxias - Vasco Costa Marques

 

HINO DE CAXIAS

Longos corredores nas trevas percorremos
sob o olhar feroz dos carcereiros
mas nem a luz dos olhos que perdemos
nos faz perder a fé nos companheiros.

Vá camarada mais um passo
que já uma estrela se levanta
cada fio de vontade são dois braços
e cada braço uma alavanca.

Cortam o sol por sobre os nossos olhos
muros e grades encerram horizontes
mas nós sabemos onde a vida passa
e a nossa esperança é o mais alto dos montes.

Vá camarada mais um passo
que já uma estrela se levanta
cada fio de vontade são dois braços
e cada braço uma alavanca.

Podem rasgar meu corpo à chicotada
podem calar meu grito enrouquecido
que para viver de alma ajoelhada
vale bem mais morrer de rosto erguido.


Vá camarada mais um passo
que já uma estrela se levanta
cada fio de vontade são dois braços
e cada braço uma alavanca. 

Vasco Costa Marques
 
A autoria do Hino de Caxias, pelo menos a sua letra, é do poeta Vasco da Costa Marques. Há fontes que também lhe atribuem a autoria da música. 
Também há quem considere que o Hino de Caxias é um trabalho colectivo em que terá colaborado Vasco da Costa Marques juntamente com outros seus camaradas presos na mesma cela em Caxias.
Seja como for, trata-se de uma peça importantíssima da luta contra a ditadura. 

terça-feira, 28 de junho de 2016

OS ESTIVADORES - Ruy Belo



OS ESTIVADORES

Só eles suam mas só eles sabem
o preço de estar vivo sobre a terra
Só nessas mãos enormes é que cabem
as coisas mais reais que a vida encerra

Outros rirão e outros sonharão
podem outros roubar-lhes a alegria
mas a um deles é que chamo irmão
na vida que em seus gestos principia

Onde outrora houve o deus e houve a ninfa
eles são a moderna divindade
e o que antes era pura linfa
é o que sobra agora da cidade

Vede como alheios a tudo o resto
compram com o suor a claridade
e rasgam com a decisão do gesto
o muro oposto pela gravidade

Ode marítima é que chamo à ode
escrita ali sobre a pedra do cais
A natureza é certo muito pode
mas um homem de pé pode bem mais

segunda-feira, 27 de junho de 2016

FALA DO HOMEM NASCIDO - António Gedeão



Interprete: Adriano Correia de Oliveira
Poema: António Gedeão
Música: José Nisa
FALA DO HOMEM NASCIDO

Venho da terra assombrada,
Do ventre de minha mãe;
Não pretendo roubar nada
Nem fazer mal a ninguém.

Só quero o que me é devido
Por me trazerem aqui,
Que eu nem sequer fui ouvido
No acto de que nasci.

Trago boca para comer
E olhos para desejar.
Tenho pressa de viver,
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
Não tenho tempo a perder.

Minha barca aparelhada
Solta o pano rumo ao norte;
Meu desejo é passaporte
Para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
Nem marés que não convenham,
Nem forças que me molestem,
Correntes que me detenham.

Quero eu e a Natureza,
Que a Natureza sou eu,
E as forças da Natureza
Nunca ninguém as venceu.

Com licença! Com licença!
Que a barca se fez ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.

António Gedeão
(in "Cantaremos", Orfeu, 1970, reed. Movieplay, 1999)