sexta-feira, 31 de maio de 2013

LUÍS DE CAMÕES



Não mais, Musa não mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.

Luís de CamõesLusíadas -Canto X  (excerto)

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Luís Veiga Leitão

A uma bicicleta desenhada na cela

Nesta parede que me veste
Da
cabeça aos pés, inteira,
Bem hajas, companheira,
As
viagens que me deste.


Aqui,
Onde o dia é mal nascido,
Jamais me cansou
O
rumo que deixou
O
lápis proibido
Bem-haja a
mão que te criou!
Olhos montados no selim
Pedalei, atravessei
E viajei
Para além de mim.

Luís Veiga Leitão

quarta-feira, 29 de maio de 2013

TERNURA



A REVOLTA É UM PÁSSARO VERMELHO GERADO NO CORAÇÃO DOS OPRIMIDOS. CANTA A TERNURA ONDE AMANHECE E FLUI NAS ASAS DO FUTURO.

terça-feira, 28 de maio de 2013

CANTAR


CANTAR

Este cantar dos anos de pobreza
diferente da vida e tão diverso
do
poderoso som da esperança

por entre os dentes vis de que se nutre
a
sua boca
sopra da aflição a turva música

Este cantar dos anos quemudança
do
canto fez diverso da esperança
é
um canto de esperança enquanto canta

Gastão Cruz

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Dente por Dente

[Lima de Freitas]

Dente por Dente

 Outros antes de nós tentaram o mesmo esforço: dente por
dente: não, nunca olhar de soslaio e manter a cabeça escar-
late, o vómito
nos pulsos por cada noite roubada; nem um
minuto para a glória da pele. Despertar de lado: olho por
olho: conservar a família em respeito, a esperança à distância
de todas as
fomes, o corno de cada dia nos intestinos. Aos
dezoito
anos, aos vinte e oito, a vida posta à prova da raiva e
do
amor, os olhos postos à prova do nojo. Entrar de costas no
festivaI das
letras, abrir passagem a golpes de fígado para a
saída do escarro. Se não temos saúde bastante sejamos pelo
menos doentes exemplares.
 
Fora do meu reino toda a pobreza, toda a ascese que gane
aos
artelhos dos que rangem os dentes; no meu reino apenas
palavras provisórias, ódio breve e escarlate. Nem um gesto de
paciência: o sonho ao nível de todos os perigos. Pelo meu
relógio são horas de matar, de chamar o amor para a mesa
dos
sanguinários.
 
Dente por dente: a boca no coração do sangue: escolher
a
tempo a nossa morte e amá-Ia.
António José Forte

Uma Faca nos Dentes
Prefácio de Herberto Helder
Parceria A.M. Pereira
Livraria Editora, Lda.


domingo, 26 de maio de 2013

Arménio Vieira - Mar

Mar

Mar! Mar!
Mar! Mar!

Quem sentiu mar?

Não mar azul
de caravelas ao largo
e marinheiros valentes

Não o mar de todos os ruídos
de ondas
que estalam na praia

Não o mar salgado
dos pássaros marinhos
de conchas
areias
e algas do mar

Mar!

Raiva-angústia
De revolta contida

Mar!

Siléncio-espuma
de lábios sangrados
e dentes partidos

Mar!
do não-repartido
e do sonho afrontado

Mar!

Quem sentiu mar?


Arménio Vieira

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Albano Martins - HORA REDONDA, EXACTA




HORA REDONDA, EXACTA

Esta hora pertence-nos.
Redonda, exacta
como um ovo
é nossa

Nos lismos e no lodo
a colhemos, intacta,
Flor modelada ao sopro
da nossa intimidade.

Símbolo e sinal
de humana presença,
esta hora é nossa
inteira razão.
Albano Martins
 

segunda-feira, 20 de maio de 2013

CANÇÃO DO COOPERARIADO - César Príncipe

CANÇÃO DO COOPERARIADO

Coopera o opErário Esse imenso operaDor Sem ele não temos ópera nem opeRações sem dor Opera todas as máquinas É muito cooperativo Opera computaDores Supõe-se um executivo Funda cooperativas Busca coopeRação Coopera em cantigas Paga as letras da canção Pertence ao operariado muitas vezes sem saber Porque tanta coopeRação nãobem para entender Pertence ao operariado muitas vezes sem querer Porque tanta coopeRação para empobrecer foi herói proletário Termo meio bolCHEvique O tratamento moderno é telecomando-chip Diz-se profissional Técnico e funcionário Também recurso huMano Unidade de trabalho Mas afinal (ele) é um grande operacional Ele opera e coopera Sem ele ponto final Fica assente Meus Senhores O que é um operário Sem gravata e com gravata Morre a viver do salário Peça da engrenagem Produto da produção Faz o carro e faz a estrada Faz a mesa e faz a cama Coopera até na morte fabricando o seu caixão

Uns chamam-lhe ParafUso Outros GloBalização


Poema de César Príncipe, Correio Vermelho, 2008, Seara de Vento.


sábado, 18 de maio de 2013

Poeta citadino - Eduardo Valente da Fonseca

Poeta citadino

Talvez vocês não saibam quem foi o Alberto Caeiro,
mas eu vou dizer-vos o que se passa.
Ele era um grande poeta que não tem nada a ver comigo
porque guardava rebanhos e fazia os possíveis para ser simples,
enquanto eu sou um sindicalizado
e faço os
possíveis para não morrer atropelado na cidade.

Eduardo Valente da Fonseca