domingo, 31 de março de 2013

ROTEIRO - Sidónio Muralha


Sidónio Muralha


ROTEIRO

parar. parar não paro.
esquecer. esquecer não esqueço.
se carácter custa caro
pago o preço

pago embora seja raro.
mas o homem não tem avesso
e o peso da pedra eu comparo
à força do arremesso

um rio, se for claro.
correr, sim, mas sem tropeço.
mas se tropeças não paro
- não paro nem mereço.

e que ninguém me amparo
nem me pergunte se padeço.
não sou nem serei avaro
- se carácter custa caro
pago o preço.

(poemas de abril, prelo, 1974)

sexta-feira, 29 de março de 2013

PATER NOSTER - Jacques Prévert


Jacques Prévert
PAI-NOSSO

Pai-Nosso, que estais no céu

Deixai-vos aí ficar

E nós ficaremos cá na terra

Que às vezes é linda de pasmar

Com os seus mistérios de Nova Iorque

E os seus mistérios de Paris

Que são tão bons como o da Trindade

Com o seu Regueirão dos Anjos

A sua Grande Muralha da China

A sua ria de Aveiro

As suas queijadinhas de Tomar

Com o seu oceano Pacífico

E os dois lagos do jardim das tulherias

Com o bom filho e a má rês

Com todas as maravilhas do mundo

Que aqui estão

À face da terra simplesmente

Oferecendo-se a todos

Disseminadas

E tão maravilhadas por se descobrirem tão maravilhosas

E não ousando admiti-lo

Como uma bela rapariga nua que não ousa mostrar-se

Com as desgraças deste mundo cão

Que são legião

Com os seus legionários

Com os seus tornionários

Com os senhores da terra

Com os seus mercenários seus traidores e seus vigários

Com os anos

E as estações

Com as raparigas bonitas e os velhos vilões

E com a palha da miséria a apodrecer no aço dos canhões.


PATER NOSTER

Notre Père qui êtes aux cieux
Restez-y
Et nous nous resterons sur la terre
Qui est quelquefois si jolie
Avec ses mystères de New York
Et puis ses mystères de Paris
Qui valent bien celui de la Trinité
Avec son petit canal de l’Ourcq
Sa grande muraille de Chine
Sa rivière de Morlaix
Ses bêtises de Cambrai
Avec son océan Pacifique
Et ses deux bassins aux tuileries
Avec ses bons enfants et ses mauvais sujets
Avec toutes les merveilles du monde
Qui sont là
Simplement sur la terre
Offertes à tout le monde
Eparpillées
Emerveillées elles-mêmes d’être de telles merveilles
Et qui n’osent se l’avouer
Comme une jolie fille nue qui n’ose se montrer
Avec les épouvantables malheurs du monde
Qui sont légion
Avec leurs légionnaires
Avec leurs tortionnaires
Avec les maîtres de ce monde
Les maîtres avec leurs prêtres leurs traîtres et leurs reîtres
Avec les saisons
Avec les années
Avec les jolies filles et avec les vieux cons
Avec la paille de la misère pourrissant dans l’acier des canons.

Jacques Prévert

quarta-feira, 27 de março de 2013

Caminhemos Serenos

          Papiniano Carlos


Caminhemos Serenos

Sob as estrelas, sob as bombas,
sob os turvos ódios e injustiças,
no
frio corredor de lâminas eriçadas,
no
meio do sangue, das lágrimas
caminhemos
serenos.

De
mãos dadas,
através da última das ignomínias,
sob o negro mar da iniquidade
caminhemos
serenos.

Sob a fúria dos ventos desumanos,
sob a treva e os furacões de fogo
aos
que nem com a morte podem vencer-nos
caminhemos
serenos.

O
que nos leva é indestrutível,
a
luz que nos guia connosco vai.
E
que o cárcere é pequeno
para o sonho prisioneiro,

que o cárcere não basta
para a ave inviolável,
que temer, ó minha querida?:
caminhemos
serenos.

No
pavor da floresta gelada,
através das torturas, através da morte,
em busca do país da aurora,
de
mãos dadas, querida, de mãos dadas
caminhemos
serenos.

terça-feira, 26 de março de 2013

Armindo Rodrigues

Uma mão-cheia de maravalhas

Não desespera apenas a quem não espera.
Desesperada, a esperança espera ainda.
Espera-se até ao fim do desespero.
*     *     *
É guerra esta paz?
É paz esta fome?
É fome esta ânsia?
É nada isto tudo.

Armindo Rodrigues
(1904-1992


segunda-feira, 25 de março de 2013

QUE PAÍS É ESTE?

QUE PAÍS É ESTE?
(fragmento)
para Raymundo Faoro

Puedo decir que nos han traicionado? No. Que
todos fueron buenos? Tampoco. Pero allí está
una buena voluntad, sin duda y sobretodo, el ser así.
CÉSAR VALLEJO
1
       Uma coisa é um país,
           outra um ajuntamento.

           Uma coisa é um país,
           outra um regimento.

           Uma coisa é um país,
           outra o confinamento.

Mas soube datas, guerras, estátuas
usei cadernoAvante
                                     - e desfilei de tênis para o ditador.
Vinha de umberço esplêndidopara umfuturo radioso”
e éramos maior em tudo
                                        - discursando rios e pretensão.

           Uma coisa é um país,
           outra um fingimento.

           Uma coisa é um país,
           outra um monumento.

           Uma coisa é um país,
           outra o aviltamento.

Deveria derribar aflitos mapas sobre a praça
em busca da especiosa raiz? ou deveria
parar de ler jornais
                                  e ler anais
como anal
                   animal
                               hiena patética
                                                         na merda nacional?
Ou deveria, enfim, jejuar na Torre do Tombo
comendo o que as traças descomem
                                                        procurando
o Quinto Império, o primeiro portulano, a viciosa visão do paraíso
que nos impeliu a errar aqui?

             Subo, de joelhos, as escadas dos arquivos
              nacionais, como qualquer santo barroco a rebuscar
              no mofo dos papiros, no bolor
              das pias batismais, no bodum das vestes reais
              a ver o que se salvou com o tempo
              e ao mesmo tempo
                                                                - nos trai

Affonso Romano Sant’Anna
(1980)

quarta-feira, 20 de março de 2013

21 de Março – Dia Mundial da Poesia



POESIA É VOAR FORA DA ASA
Manoel de Barros

Mas também é viver com os pés e o coração bem firmes na terra.
INTERMEZZO

Hoje não posso ver ninguém:
sofro pela Humanidade.
Não é por ti.
Nem por ti.
Nem por ti.
Nem por ninguém.
É por alguém.
Alguém que não é ninguém
mas que é toda a Humanidade.
António Gedeão

sábado, 16 de março de 2013

Fátimafone





César Príncipe


Fátimafone

Mensagens de Paz & Amor
Nossa SenhOra ao Seu Dispor
A OperAdora de Deus
Com desContos para Ateus

Rosário de Portugal

Sede em Paraíso Fiscal

quarta-feira, 13 de março de 2013

La crosse en l'air - Jacques Prévert

Já há papa.
Eu prefiro uma açordinha de bacalhau com coentros ou poejos


Recordo um grande diseur, Serge Reggiani, e o grande poeta Jacques Prévert
em
La crosse en l’air (aqui) e (aqui)

terça-feira, 5 de março de 2013

Silenciosa Música do Cosmos



Reunião Clandestina

Silenciosa Música do Cosmos

As bocas que estão fechadas não estão caladas
Os braços que estão caídos não estão imóveis
E os olhos que estão voltados não estão sem ver
Homem homem
tu bem me compreendes
quando digo que não estás
e bem entendes
bem entendes este longo discurso
enchendo o ar que vem de toda a parte
e vai a toda a parte eternamente
Em surdina

*
Mário Dionísio