terça-feira, 29 de outubro de 2013

Lágrimas – flores -- Paulo Quintela



Lágrimasflores

Lágrimas

Únicas flores que a alquimia dos anos
consegue destilar das flores da vossa cólera
jovem e generosa, maltratada
de injustiças e patas de cavalos,
de incompreensões cegas
de vencidas sabedorias contumazes

Lágrimas
Lágrimas

Quando as flores que eu queria
pra juntar às vossas
eram rosas
de sangue de revolta.

Paulo Quintela
(Junho de 1969)

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Eugénio Lisboa - HOMENAGEM A GOMES LEAL

HOMENAGEM A GOMES LEAL

"Morre o povo pelas esquinas,
com a fome que também matou Camões.
Abrigam-se os pobres nas ruínas,
com gestos e ademanes de ladrões.

Com fome e frio, o povo abandonado,
sacode o mundo, tenebrosamente:
dá-me tu, ó Musa, um furor sagrado,
que nos levante, poderosamente!

Uma lira feita de vinganças,
uma lira cuspindo ameaças!
Uma lira que abale as seguranças
dos que vivem de rapina e trapaças!

Dá-me um canto canoro e eloquente,
que seja para os pobres como um sol,
pai dos párias e astro transcendente,
que faz do pobre grato girassol!

Ó Musa, quero a gana do Poeta,
que me ajude a castigar este horror,
a varrer, com vigor, esta sarjeta,
onde copulam gula e impudor!"

Eugénio Lisboa
( depois de reler “A Fome de Camões”, de Gomes Leal).
Versos, escritos, segundo ele próprio, “relendo Gomes Leal, num Domingo melancólico, meditando neste horror que se abateu sobre o nosso país”:

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Quando vieres - Maria Eugénia Cunhal



Maria Eugénia Cunhal
 
Quando vieres 
Encontrarás tudo como quando partiste.
A mãe bordará a um canto da sala...
Apenas os cabelos mais brancos
E o olhar mais cansado.
O pai fumará o cigarro depois do jantar
E lerá o jornal.

Quando vieres
não encontrarás aquela menina de saias curtas
E cabelos entrançados
Que deixaste um dia.
Mas os meus filhos brincarão nos teus joelhos
Como se te tivessem sempre conhecido.

Quando vieres
Nenhum de nós dirá nada
Mas a mãe largará o bordado
pai largará o jornal
As crianças os brinquedos
E abriremos para ti os nossos corações,

Pois quando tu vieres
Não és tu que vens
É todo um mundo novo que despontará fora
Quando vieres.

Maria Eugénia Cunhal

in "Silêncio de Vidro", Maria Eugénia Cunhal, Lisboa, 1962
 ( Álvaro Cunhal, 14 anos mais velho que a irmã, estivera na prisão durante 11 anos e fugira 2 anos antes. E tinha saído do país. Veio em 1974.)
 

sábado, 12 de outubro de 2013

Ao desconcerto do Mundo - Luís Vaz de Camões



Ao desconcerto do Mundo
 
Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que,  para mim,
Anda o Mundo concertado.
 
                  Luís Vaz de Camões

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

“Não parar o vento"



Não parar o vento
 não erguer o muro.
 Este é o momento de fazer futuro.
Desta vez é outra vez
é a voz de quem sonha
 que a vida plena
      não é viver
 é, também, escolher.”

Joaquim Pessoa e Helena Cidade Moura

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Lembrando Brecht

Lembrando Brecht

Primeiro destruíram a reforma agrária,
paciência
não era nada comigo.
Depois fecharam grandes complexos industriais,
não me afectou
não sou operário.
Depois pagaram para abater a frota pesqueira,
mas também não me importei
não sou pescador.
Logo a seguir, de mãos livres,
promulgaram leis que facilitam os despedimentos
e estou desempregado.
agora me apercebi
porque a fome me entrou em casa.

Deixámos de produzir!