sábado, 30 de maio de 2015

Hans Magnus Enzensberger - DEFESA DOS LOBOS CONTRA OS CORDEIROS



DEFESA DOS LOBOS CONTRA OS CORDEIROS

deve o abutre se alimentar de flores?
o que exigis do chacal?
que ele mude de pele? e do lobo? que
ele mesmo limpe os dentes?
o que não apreciais
nos coronéis e nos papas?
o que vos deixa perplexos
na tela mentirosa?

quem irá então costurar para o general
a condecoração sanguinária em sua calça? quem
irá fatiar o capão diante do agiota?
quem irá ostentar orgulhoso a cruz-de-ferro
diante da barriga que ronca? quem
irá pegar a gorjeta, a soma,
a propina? há
muitos roubados, poucos ladrões; quem
então os aplaude? quem
lhes coloca a insígnia? quem
é ávido pela mentira?

vede no espelho: covardes,
que evitam a fadiga da verdade,
avessos ao aprender, o pensar
é deixado a critério dos lobos,
a coleira é vossa jóia mais cara,
nenhuma ilusão é tão estúpida, nenhum
consolo é tão barato, qualquer chantagem
ainda é para vós branda demais.

cordeiros, irmãs são
as gralhas comparadas a vós:
cegais uns aos outros.
a irmandade reina
entre os lobos:
eles vão em bandos.

louvados sejam os predadores: vós,
convidativos ao estupro,
vos atirais sobre o leito negligente
da obediência. mentis e ainda
soltais ganidos. quereis
ser estraçalhados. vós
não mudais o mundo.

Hans Magnus Enzensberger

(Tradução de Afrânio Novaes)

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Cochat Osório



Há um sabor gostoso da manhã
nesta mancha de gente que procura
animar a cidade que a não vê.
A cidade que pensa que a cidade
é só daqueles que nunca acordam cedo
e alugando um polícia para cada medo
conseguem saturar esta cidade imensa
da sua vadiagem tola e vã.
Cochat Osório

quarta-feira, 27 de maio de 2015

ARMINDO RODRIGUES

Fico?
Não fico?
Parto?
Não parto?
Dos voos a que aspiro nunca me sinto farto.
Das raízes que crio sou cada vez mais rico.

*  *  *

Quem a si próprio se exime
das obrigações gerais
faz da sua escolha um crime.

*  *  *

Atingir a luz
é a aspiração mais alta.

  ARMINDO RODRIGUES

segunda-feira, 25 de maio de 2015

BREVE HISTÓRIA DA BURGUESIA - Hans Magnus Enzensberger



BREVE HISTÓRIA DA BURGUESIA

Este foi o momento, quando nós,
sem nos apercebermos, durante cinco minutos
estávamos imensamente ricos, generosamente
refrigerados com a eletricidade no verão,
ou caso fosse o inverno,
a lenha, trazida de longe via aérea, ardia
em lareiras estilo renascentista. Curioso:
havia tudo, vindo por avião,
de certa maneira automaticamente. Elegantes
éramos, ninguém nos aturava.
Jogávamos pelas janelas concertos de solistas,
chips, orquídeas embrulhadas em celofane. Nuvens
que diziam: “Eu”. Únicos!

Íamos a todas as partes em voos de carreira. Mesmo os nossos suspiros
eram pagos com cartões de crédito. Xingávamos
como gralhas, todos ao mesmo tempo. Cada um
guardava a sua própria desgraça debaixo do assento,
à mão. Que pena!
Era tão prático. A água
corria à toa das torneiras.
Lembram-se? Simplesmente atordoados
por nossos sentimentos minúsculos
comíamos pouco. Se soubéssemos
que tudo passaria
em cinco minutos, teríamos saboreado
bem mais, muito mais, o roast-beef Wellington.

Hans Magnus Enzensberger

 (Tradução de Afrânio Novaes)

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Catarina Pé-Curto

Artista Plástica

«Por um Portugal com futuro dou todo o meu apoio à Marcha Nacional "A força do Povo", de dia 6 de junho. Dar força ap PCP e à CDU é dar força a uma verdadeira alternativa de esquerda.»

segunda-feira, 18 de maio de 2015

QUE VERGONHA, RAPAZES! - Alexandre O'Neill




QUE VERGONHA, RAPAZES!



Que vergonha, rapazes! Nós pràqui,
caídos na cerveja ou no uísque,
a enrolar a conversa no «diz que»
e a desnalgar a fêmea («Vist'? Viii!»).

Que miséria, meus filhos! Tão sem jeito
é esta videirunha à portuguesa,
que às vezes me soergo no meu leito
e vejo entrar quarta invasão francesa.

Desejo recalcado, com certeza...
Mas logo desço à rua, encontro o Roque
(«O Roque abre-lhe a porta, nunca toque!»)
e desabafo: — Ó Roque, com franqueza:

Você nunca quis ver outros países?
— Bem queria, Sr. 0'Neill! E... as varizes?

Alexandre O'Neill