domingo, 27 de março de 2016

A Oração de Um Desempregado - JUAN GELMAN



JUAN GELMAN

A Oração de Um Desempregado



“Pai,
desce dos céus, esqueci
as orações que me ensinou minha avó,
pobrezinha, ela agora repousa,
não tem mais que lavar, limpar, não tem mais que preocupar-se,
andando o dia todo atrás de roupa.
Não tem mais que velar de noite,
penosamente,
rezar, pedir-te coisas, resmungando docemente.

Desce dos céus, se estás, desce então
pois morro de fome nesta esquina,
não sei para que serve haver nascido
olho as mãos inchadas,
não tem trabalho, não tem.
     desce um pouco, contempla isto que sou, este sapato roto
essa angústia, este estômago vazio,
esta cidade sem pão para meus dentes,
a febre, cavando-me a carne
     este dormir assim,
sob a chuva, castigado pelo frio, perseguido.
Te digo que não entendo, Pai, desce!
Toca-me a alma, olha-me o coração,
eu não roubei, nem assassinei, fui criança
e em troca me golpeiam e golpeiam.
Te digo que não entendo, Pai, desce,
se estás, pois busco
resignação em mim e não tenho
e vou esconder-me de raiva e afilar-me
para brigar e vou gritar
até estourar o pescoço de sangue,
porque não posso mais, tenho rins
eu sou um homem,
     desce! Que fizeram
de tua criatura, Pai?
     um animal furioso
que mastiga a pedra da rua?”

Juan Gelman


Oración de un desocupado’

Padre
     desde los cielos bájate, he olvidado 
las oraciones que me enseñó la abuela, 
pobrecita, ella reposa ahora, 
no tiene que lavar, limpiar, no tiene 
que preocuparse andando el día por la ropa,
no tiene que velar la noche, pena y pena, 
rezar, pedirte cosas, rezongarte dulcemente.

Desde los cielos bájate, si estás, bájate entonces,
que me muero de hambre en esta esquina,
que no sé de qué sirve haber nacido, 
que me miro las manos rechazadas,
que no hay trabajo, no hay,
                    bájate un poco, contempla 
esto que soy, este zapato roto,
esta angustia, este estómago vacío,
esta ciudad sin pan para mis dientes, la fiebre 
cavándome la carne, 
               este dormir así, 
bajo la lluvia, castigado por el frío, perseguido 
te digo que no entiendo, Padre, bájate, 
tócame el alma, mírame 
el corazón, 
yo no robé, no asesiné, fui niño 
y en cambio me golpean y golpean, 
te digo que no entiendo, Padre, bájate, 
si estás, que busco 
resignación en mí y no tengo y voy 
a agarrarme la rabia y a afilarla 
para pegar y voy 
a gritar a sangre en cuello
por que no puedo más, tengo riñones
y soy un hombre,
            bájate, qué han hecho
de tu criatura, Padre?
            un animal furioso
que mastica la piedra de la calle?




Tradução de Leonardo Boff, em seu blog.

Mais detalhes de Juan Gelman: 




sexta-feira, 25 de março de 2016

Spray linguístico - Armando Silva Carvalho

Spray linguístico
Eu vou canalizar
estes morfemas
para os mass média
entre ficções sonoras
enunciar
desgraça,
a solidão menor,
as más conotações
do sintagma saudade.
Nada deslumbra tanto
como a criança morta em grande plano!
Os dedos decepados pela catástrofe moral
de todos os aspectos!
Meu deus, os grandes sortilégios do consumo!
A febre oficial que a rádio anunciava esta manhã!
A pop singer a masturbar a voz!
Os vagos ecos de um mar etilizado!
Não há como a cultura de mosaico,
feliz casa de banho onde nada falta:
os cremes demenciais,
o spray linguístico que vai neutralizar
o hálito dos bárbaros!
Bendita sois
ó Liga Amiga dos Corações Estofados
que eu louvo a medo e à moda do Minho!

Armando Silva Carvalho
“O QUE FOI PASSADO A LIMPO”
Obra poética
Assírio & Alvim
1981, p. 288

ALEPOPEIA - César Príncipe

ALEPOPEIA
Caem braços nos telhados
Rolam cabeças nos pátios
PiLares esmagam os ombros
Quem corre fica sem pernas
Quem chora fica sem olhos
É assim
É assim                                                            
É assim em Alepo
Pedras ensanguentadas são romãs
Come-se arroz de areia crepitante
As águas são bebidas pelo deserto
Resta uma lágrima por habitante
É assim
É assim
É assim em Alepo
Para ir à escola tropeça-se nos mortos
Para ir à igreja deixamos lá os corpos
É assim
É assim
É assim em Alepo
A electriCidade é avara e fugiDia
Só a esperança mantém a energia
E canta-se
E reza-se
Entre estrondos e ruínas
E os namorados gemem
Nas macas dos hospitAis
Receiam que o seu prazer
Ofenda a dor dos demAis
E jura-se
Vencer o ódio armado
Com dez milhões de pés
Com o rosto alevantado
É assim
É assim
É assim em Alepo
E só Alepo sabe
Impera a lei da bala
E governa o silêncio
Quem deu voz ao monstro
Cala a voz de Alepo
Quem armou o monstro
Montou o Grande Cerco
Só Alepo sabe
Alepo só existe
QUANDO PARIS ARDE

César Príncipe

quinta-feira, 24 de março de 2016

Um homem nunca chora - José Craveirinha

Um homem nunca chora

Acreditava naquela história
do homem que nunca chora.
Eu julgava-me um homem.
Na adolescência
meus filmes de aventuras
punham-me muito longe de ser cobarde
na arrogante criancice do herói de ferro.
Agora tremo.
 E agora choro.
Como um homem treme.
Como chora um homem!

José Craveirinha