Dom Torricado
A tão humilde comida de trabalho, torna-se em manjar de convívio e lazer.
O plebeu Torricado conquista a pulso os mais apetecidos títulos de nobreza gastronómica. Requintados livros de culinária conferem-lhe espaço de relevo; conceituadas galas de gastronomia honram-no concedendo-lhe lugar de destaque.
E o pobre, com a modéstia de que só os grandes são capazes, mantém-se fiel a si mesmo.
Simples e Bom!
Uma Festa Para Os Sentidos
UM SABOR
RIBATEJANO
PÃO
AZEITE
ALHO
SAL
BACALHAU
sardinha
fataça
entrecosto
azeitonas
toucinho
laranja
Dedicar aos alimentos os cuidados convenientes à sua preparação, manter-se atento e intervir em tempo oportuno, determinará a diferença entre o fazer comida e cozinhar.
Assim sendo, não há pratos menores.
O PÃO
No torricado é o pão que determina a obra final, quem o não souber escolher e com ele lidar, tem meia batalha perdida.
O casqueiro de trigo de mistura, ou de milho, será pelo menos do dia anterior, não muito cozido, de côdea regular e sem roturas para não deixar verter o azeite.
Uma vez a escolha feita, inicia-se o ritual.
O pão é cortado ao meio no sentido do comprimento e paralelo à base.
Toma-se cada metade, e com uma navalha bem afiada golpeia-se o miolo na vertical, desenhando losangos sem ferir a côdea.
Prepara-se com vides, se possível, um brasido que se deseja regular e brando de modo a não queimar ou secar o miolo do pão.
Sobre o lume assim criteriosamente preparado, coloca-se o pão a torriscar, primeiro o miolo até ficar corado e consistente, e as regueirinhas por acção do fogo começarem a “rir-se” ou a “abrir a boca para que lhe cheguem o azeite”, como é uso dizer-se. À côdea dá-se igual tratamento até ficar estaladiça.
Tudo está em ordem para receber os temperos.
O miolo e a côdea, assim torrados e consistentes, esfregam-se com um ou dois dentes de alho, espalhando de seguida pelo miolo alourado, algumas pedras de sal grosso.
Por fim, amacia-se a côdea tostada untando-a de azeite, e o miolo sequioso rega-se copiosamente com a mesma gordura, regressando ao lume até o azeite ferver. E quando por acção do calor começar a “chiar”, cada uma destas metades adquire nome próprio: “cosquilha”. E está pronta a servir.
Por tradição ou por gosto, há também quem prefira, em vez do azeite, barrar o pão depois de torrado com toucinho cru ou derretido, antes de voltar ao braseiro.
O torricado, para se manter macio e apetitoso, deve servir-se bem quente. É comida de almoço; e como dejejum, nas manhãs frias de Outono e Inverno, a cosquilha também tem os seus apreciadores, quando acompanhada de café.
E porque a imaginação é fértil, a “cosquilha”, servida ao café, além de todos os outros condimentos, pode barrar-se com laranja.
azeitona
Fiel nos bons e maus momentos, a azeitona nova, agreste ainda, emparceira com o torricado, de quem é companheira inseparável.
bacalhau
Após o teste a que foi submetido com a cosquilha, não permita que baixem de nível os seus méritos como assador. Frente a lume esperto, encoraje o fiel amigo, deixando-o brando e apetecível.
Uma vez grelhado, o bacalhau é desfiado e temperado de azeite, vinagre e alho, servindo-o sobre a cosquilha ou numa travessa.
sardinha
A sardinha, assada com os cuidados devidos a tão leal companheira, deite-a sobre a cosquilha sem a deixar arrefecer.
fataça
A fataça e a cosquilha (o Tejo e a Lezíria) vivem paredes-meias. Natural tem sido a salutar convivência destes bons amigos quando bem grelhados.
entrecosto
Só com umas pedrinhas de sal grosso ou previamente temperado de vinha-d’alhos - fica a seu gosto - o entrecosto bem grelhado num brasido vivo faz jus à cosquilha que o espera.