sábado, 30 de março de 2024

UMA PEQUENINA LUZ, Jorge de Sena - Catarina Guerreiro

 

Uma Pequenina Luz

Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una picolla… em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indeflectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha

Jorge Sena

 

terça-feira, 26 de março de 2024

Kyrie - Ary dos Santos

 

Kyrie

Em nome dos que choram,
Dos que sofrem,
Dos que acendem na noite o facho da revolta
E que de noite morrem,
Com a esperança nos olhos e arames em volta.
Em nome dos que sonham com palavras
De amor e paz que nunca foram ditas,
Em nome dos que rezam em silêncio
E falam em silêncio
E estendem em silêncio as duas mãos aflitas.
Em nome dos que pedem em segredo
A esmola que os humilha e os destrói
E devoram as lágrimas e o medo
Quando a fome lhes dói.
Em nome dos que dormem ao relento
Numa cama de chuva com lençóis de vento
O sono da miséria, terrível e profundo.
Em nome dos teus filhos que esqueceste,
Filho de Deus que nunca mais nasceste,
Volta outra vez ao mundo!

 Ary dos Santos

a liturgia do sangue

lisboa

1963

segunda-feira, 25 de março de 2024

“CRAVOS VERMELHOS” - Ada Valenzuela

 

“CRAVOS VERMELHOS”

 

Cravos vermelhos para não esquecer,

Cravos vermelhos pela memória.

Cravos vermelhos para exigir!

Cravos vermelhos pela mãe, o pai, a tia, o estudante e a companheira que deu a sua vida.

 

Cravos vermelhos para a mulher em rebeldia,

Cravos vermelhos de um filho que não esquece.

Cravos vermelhos para exigir justiça!

Cravos vermelhos para construir a memória deste povo com amnésia.

 

Cravos vermelhos como um tributo,

Cravos vermelhos contra a violência.

Cravos vermelhos pela resistência!

Cravos vermelhos para o estudante que não vende a dignidade.

 

Cravos vermelhos para a identidade,

Cravos vermelhos para as viúvas da guerra.

Cravos vermelhos para os nossos mortos!

Cravos vermelhos para não esquecer o teu olhar, o teu legado, o teu ideal.

 

Cravos vermelhos pela vida,

Cravos vermelhos pelo sangue derramado.

Cravos vermelhos contra a fome!

Cravos vermelhos para quem segue nesta luta.

 

Cravos vermelhos para o poeta da revolução,

Cravos vermelhos para quem canta a verdade arriscando a vida.

Cravos vermelhos contra o conservadorismo!

Cravos vermelhos que encham as ruas e avenidas deste país.

 

Cravos vermelhos contra a mediatização,

Cravos vermelhos para o jornalismo digno.

Cravos vermelhos para a arte urbana!

Cravos vermelhos para o panfleto popular e incendiário.

 

Cravos vermelhos para quem pergunta “onde estão os desaparecidos?”

Cravos vermelhos para quem não se cala.

Cravos vermelhos para a minha filha, para o teu filho, para que construam esse outro mundo.

 

Cravos vermelhos para caimão socialista do Caribe,

Cravos vermelhos para o sul do Abya Yala

Cravos vermelhos contra o império e suas invasões!

Cravos vermelhos para embandeirar a nossa marcha.

 

 Cravos vermelhos lembrados no campo e na cidade,

Cravos vermelhos trocados nas escolas,

 

Cravos vermelhos para a defesa da terra!

 

Ada Valenzuela

A CIA e o Golpe de Estado na Guatemala em 1954

Em memória das mais de 250 mil pessoas assassinadas e 45 mil desaparecidas, nos 36 anos de guerra na Guatemala MEMÓRIA, VERDADE, JUSTIÇA

 

“Claveles rojos”

 

"Claveles rojos para no olvidar,

Claveles rojos por la memoria.

¡Claveles rojos para demandar!

Claveles rojos por la madre, el padre, la tía, el estudiante y la compañera que dio su vida.

 

Claveles rojos para la mujer en rebeldía,

Claveles rojos de un hijo que no olvida.

¡Claveles rojos para exigir justicia!

Claveles rojos para construir la memoria de este pueblo con amnesia.

 

Claveles rojos como un tributo,

Claveles rojos contra la violencia.

¡Claveles rojos por la resistencia!

Claveles rojos para el estudiantado que no vende la dignidad.

 

Claveles rojos por la identidad,

Claveles rojos para las viudas de la guerra.

¡Claveles rojos para nuestros muertos!

Claves rojos para no olvidar tu mirada, tu legado, tu ideal.

 

Claveles rojos por la vida,

Claveles rojos por la sangre derramada.

¡Claveles rojos contra la hambruna!

Claveles rojos para quien sigue en esta lucha.

 

Claveles rojos para el poeta de la revolución,

Claveles rojos para quien canta la verdad arriesgando la vida.

¡Claveles rojos contra el conservadurismo!

Claveles rojos que llenen las calles y avenidas de este país.

 

Claveles rojos contra la mediatización,

Claveles rojos para el periodismo digno.

¡Claveles rojos para el grafiti callejero!

Claveles rojos para ese esténcil popular e incendiario.

 

Claveles rojos para quien pregunta “¿Dónde están los desaparecidos?”

Claveles rojos para quien no se calla.

Claveles rojos para mi hija, para tu hijo, para que construyamos ese otro mundo.

 

Claveles  rojos para el caimán socialista del Caribe,

Claveles rojos para el sur del Abya Yala

¡Claveles rojos contra el imperio y sus invasiones!

Claveles rojos para abanderar nuestra marcha.

 

Claveles rojos sembrados en el campo y la ciudad,

Claveles rojos intercambiados en las escuelas,

 

¡Claveles rojos por la defensa de la tierra!"

Ada Valenzuela