“Sondaralguém, interrogá-lo cautelosamente, isto é, semrevelarintenção, a fim de colher dele informaçõesque se pretendem.”
(GrandeDicionário da Língua Portuguesa)
O senhor Júlio nuncatinha sido sondado, pensava ele. Tãopouco imaginava como se apresentava um sondador. Não sabia sequer se um sondador era sondável.
Face às sondagens diárias, o homem andava empânico.
“Semrevelarintenção!...”. Será quejá havia sido sondado sem disso se aperceber?
Se lhe telefonavam, de imediatonão se identificava, e ao sair à rua sentia o desconforto de alguémque está a ser seguido.
Sabia queparaser sondado não se podia aperceberque o estava sendo, e não conhecia ninguémque o tivesse sido. Entretanto, com a impertinência da melga e a pertinácia da formiga, as sondagens cercavam-no abafando-o, procurando sufocar a suacapacidade de discernimento.
Números “aparentemente” contraditórios são-lhe diariamente derramados portodos os periódicos, comespecialrelevânciapara os semanários, caixas de ressonância amplificadas e ampliadas ainda nas rádios e nas televisões, servindo de repasto aos comentadores que as dissecam e manipulam.
Fórmulasmágicas de ficçãoque transmudam a realidadeemdesejos: As sondagens...
Porquê esta doentia perseguição do real? Será que o duque de Bragança D. João IV, teria chegado ao poder se os Filipes detivessem esta terrívelarma? Felizmenteque conseguimos a nossaindependênciaantes deste flagelo.
Preocupado refugiei-me em Fernando Pessoa, “a minhalíngua é a minhaPátria”, e deleitado percorri à velocidade duma correcta apreensão os “Poemas de Álvaro de Campos” da EdiçãoCrítica de Fernando Pessoa, Volume ll.. Erajátarde, e quando ao chegar à página 292 me preparava pararecomeçaresteescrito, depara-se-me estedesabafo de revolta de um Álvaro de Campos, que considera “Toda a realidadeumexcesso, uma violência” e lançaestegrito de revolta, esta pedradairreverente:
Oraporra!
Então a imprensa portugueza
é que é a imprensa portugueza?
Então é esta merda que temos
quebebercom os olhos?
Filhos da puta! Não, quenem
há puta que os parisse.
Calculem comonão seria a imprensa na terceiradécada do séculopassado e como foi longo o caminhopara chegarmos ao mesmo.
Volto às sondagens. Porentrejornais e papeladavária, procuro a publicação que o carteirome trouxera hoje “Manière de voir 27”. Assinaturaqueaguardosemprecomansiedade. Publicação trimestral, desta vezcomum titulo sugestivo e oportuno “Médias et Contrôle des Esprits”.
Posto de lado o “inconveniente?” Pessoa, retiro o invólucro à revista esperada. Emcadapáginaumgrito, uma advertência, umalerta, uma acusação a umnívelsuperior de apreciação:
“A utilizaçãosistemática das sondagens e a sua retoma pelosgrandes medias intimidam as pessoas, culpabilizando-as de não pensarem “como deve ser”. O debate é escamoteado e a democracia desfigurada.”
E Emmanuel Souchier et Yves Jeanneret continuam:
“O usoselvagem das sondagens esvaziou o debatepolítico, eclipsou os programas, dissolveu a fidelidade, baniu a vontade. Entretanto o homempolítico orienta as suasescolhas e inflecte a sua acção emfunção dos gráficos de popularidade. A opiniãoreinante é legitimada sob a capa da ciência.”
E os doisjornalistas interrogam-se:
“A democracia pode satisfazer-se com esta demagogiatecnocrática?”.
“Maisseguroque o controlo dos comportamentos é a drogadoce: “A “repetição” da sondagem “estabelece a tirania” e esvazia a vidapolítica dos seuscompostosessenciais”.
E concluindo uma análiseimpossível de sintetizar:
“Tornada mediamétrica, a democracia deverá fatalmente tornar-se numa mediocracia?”.
Noutra recente publicação “Élections et Télévision”umgrupo de especialistas coloca e responde a estas questões: Como é que no decurso de uma campanhaeleitoral se articulam três temíveis técnicas de manipulação: televisão, sondagens e publicidade, e qual o papelquedesempenha o dinheiro neste triunvirato?”.
Sondagens, antolhos para o nossodescontentamento, chocas para conduzirem a nossaraiva ao abate, diluente do espíritocríticoque se esvai.
Sem comentários:
Enviar um comentário