terça-feira, 26 de maio de 2009

Sondar as sondagens



VAMOS SONDÁ-LOS?

Sondar alguém, interrogá-lo cautelosamente, isto é, sem revelar intenção, a fim de colher dele informações que se pretendem.”

(Grande Dicionário da Língua Portuguesa)

O senhor Júlio nunca tinha sido sondado, pensava ele. Tão pouco imaginava como se apresentava um sondador. Não sabia sequer se um sondador era sondável.

Face às sondagens diárias, o homem andava em pânico.

Sem revelar intenção!...”. Será que havia sido sondado sem disso se aperceber?

Se lhe telefonavam, de imediato não se identificava, e ao sair à rua sentia o desconforto de alguém que está a ser seguido.

Sabia que para ser sondado não se podia aperceber que o estava sendo, e não conhecia ninguém que o tivesse sido. Entretanto, com a impertinência da melga e a pertinácia da formiga, as sondagens cercavam-no abafando-o, procurando sufocar a sua capacidade de discernimento.

Númerosaparentementecontraditórios são-lhe diariamente derramados por todos os periódicos, com especial relevância para os semanários, caixas de ressonância amplificadas e ampliadas ainda nas rádios e nas televisões, servindo de repasto aos comentadores que as dissecam e manipulam.

Fórmulas mágicas de ficção que transmudam a realidade em desejos: As sondagens...

Porquê esta doentia perseguição do real? Será que o duque de Bragança D. João IV, teria chegado ao poder se os Filipes detivessem esta terrível arma? Felizmente que conseguimos a nossa independência antes deste flagelo.

Preocupado refugiei-me em Fernando Pessoa, “a minha língua é a minha Pátria”, e deleitado percorri à velocidade duma correcta apreensão os “Poemas de Álvaro de Campos” da Edição Crítica de Fernando Pessoa, Volume ll.. Era tarde, e quando ao chegar à página 292 me preparava para recomeçar este escrito, depara-se-me este desabafo de revolta de um Álvaro de Campos, que considera “Toda a realidade um excesso, uma violência” e lança este grito de revolta, esta pedrada irreverente:

Ora porra!

Então a imprensa portugueza

é que é a imprensa portugueza?

Então é esta merda que temos

que beber com os olhos?

Filhos da puta! Não, que nem

há puta que os parisse.

Calculem como não seria a imprensa na terceira década do século passado e como foi longo o caminho para chegarmos ao mesmo.

Volto às sondagens. Por entre jornais e papelada vária, procuro a publicação que o carteiro me trouxera hoje “Manière de voir 27”. Assinatura que aguardo sempre com ansiedade. Publicação trimestral, desta vez com um titulo sugestivo e oportunoMédias et Contrôle des Esprits”.

Posto de lado o “inconveniente?” Pessoa, retiro o invólucro à revista esperada. Em cada página um grito, uma advertência, um alerta, uma acusação a um nível superior de apreciação:

“A utilização sistemática das sondagens e a sua retoma pelos grandes medias intimidam as pessoas, culpabilizando-as de não pensarem “como deve ser”. O debate é escamoteado e a democracia desfigurada.”

E Emmanuel Souchier et Yves Jeanneret continuam:

“O uso selvagem das sondagens esvaziou o debate político, eclipsou os programas, dissolveu a fidelidade, baniu a vontade. Entretanto o homem político orienta as suas escolhas e inflecte a sua acção em função dos gráficos de popularidade. A opinião reinante é legitimada sob a capa da ciência.”

E os dois jornalistas interrogam-se:

“A democracia pode satisfazer-se com esta demagogia tecnocrática?”.

Mais seguro que o controlo dos comportamentos é a droga doce: “A “repetição” da sondagem “estabelece a tirania” e esvazia a vida política dos seus compostos essenciais”.

E concluindo uma análise impossível de sintetizar:

Tornada mediamétrica, a democracia deverá fatalmente tornar-se numa mediocracia?”.

Noutra recente publicação “Élections et Télévision” um grupo de especialistas coloca e responde a estas questões: Como é que no decurso de uma campanha eleitoral se articulam três temíveis técnicas de manipulação: televisão, sondagens e publicidade, e qual o papel que desempenha o dinheiro neste triunvirato?”.

Sondagens, antolhos para o nosso descontentamento, chocas para conduzirem a nossa raiva ao abate, diluente do espírito crítico que se esvai.

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