PARASITAS
No meio duma feira, uns poucos de palhaços
Andavam a mostrar, em cima dum jumento
Um aborto infeliz, sem mãos, sem pés, sem braços,
Aborto que lhes dava um grande rendimento.
Os magros histriões, hipócritas, devassos,
Exploravam assim a flor do sentimento,
E o monstro arregalava os grandes olhos baços,
Uns olhos sem calor e sem entendimento.
E toda a gente deu esmola aos tais ciganos:
Deram esmola até mendigos quase nus.
E eu, ao ver este quadro, apóstolos romanos,
Eu lembrei-me de vós, funâmbulos da cruz,
Que andais pelo universo, há mil e tantos anos,
Exibindo, explorando o corpo de Jesus.
O PAPÃO
As crianças têm medo à noite, às horas mortas,
Do papão que as espera, hediondo, atrás das portas,
Para as levar no bolso ou no capuz dum frade.
Não te rias da infância, ó velha humanidade,
Que tu também tens medo ao bárbaro papão,
Que ruge pela boca enorme do trovão,
Que abençoa os punhais sangrentos dos tiranos,
Um papão que não faz a barba há seis mil anos,
E que mora, segundo os bonzos têm escrito,
Lá em cima, detrás da porta do infinito!
Guerra Junqueiro
(A Velhice do Padre Eterno)
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