terça-feira, 30 de agosto de 2011

EU FALO DAS CASAS E DOS HOMENS


EU FALO DAS CASAS E DOS HOMENS

Adolfo
Casais Monteiro


Eu falo das casas e dos homens,
dos
vivos e dos mortos:
do
que passa e não volta nunca mais...
Não me venham dizer que estava materialmente
previsto,
ah,
não me venham com teorias!
Eu vejo a desolação e a fome,
as
angústias sem nome,
os
pavores marcados para sempre nas faces trágicas
das
vítimas.

E sei
que vejo, sei que imagino apenas uma ínfima,
uma
insignificante parcela da tragédia.
Eu, se visse, não acreditava.
Se visse, dava
em louco ou profeta,
dava
em chefe de bandidos, em salteador de estrada,
-
mas não acreditava!

Olho os homens, as casas e os bichos.
Olho num pasmo sem limites,
e fico
sem palavras,
na
dor de serem homens que fizeram tudo isto:
esta
pasta ensanguentada a que reduziram a terra inteira,
esta
lama de sangue e alma,
de
coisa a ser,
e pergunto numa
angústia se ainda haverá alguma esperança,
se o
ódio sequer servirá para alguma coisa...

Deixai-me
chorar - e chorai!
As
lágrimas lavarão ao menos a vergonha de estarmos vivos,
de
termos sancionado com o nosso silêncio o crime feito
instituição
e
enquanto chorarmos talvez julguemos nosso o drama,
por momentos será nosso um pouco do sofrimento alheio,
por um segundo seremos os mortos e os torturados,
os
aleijados para toda a vida, os loucos e os encarcerados,
seremos a
terra podre de tanto cadáver,
seremos o
sangue das árvores,
o
ventre doloroso das casas saqueadas,
-
sim, por um momento seremos a dor de tudo isto...

Eu não sei porque me caem as lágrimas,
porque tremo e que arrepio corre dentro de mim,
eu que não tenho parentes nem amigos na guerra,
eu que sou estrangeiro diante de tudo isto,
eu que estou na minha casa sossegada,
eu que não tenho guerra à porta,
-
eu porque tremo e soluço?
Quem chora em mim, dizei - quem chora em nós?

Tudo aqui vai como um rio farto de conhecer os seus meandros:
as
ruas são ruas com gente e automóveis,
nãosereias a gritar pavores irreprimíveis,
e a
miséria é a mesma miséria que havia...
E se
tudo é igual aos dias antigos,
apesar da Europa à nossa volta, exangue e mártir,
eu pergunto se não estaremos a sonhar que somos gente,
sem irmãos nem consciência, aqui enterrados vivos,
sem nada senão lágrimas que vêm tarde, e uma noite à volta,
uma
noite em que nunca chega o alvor da madrugada...

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