sexta-feira, 2 de março de 2012

o céu das gruas

fernando castro branco

(miranda do douro), 1959


o céu das gruas


Lázaro Inocêncio do Nascimento,

manobrador de gruas na auto-estrada

transmontana sai do túnel do Marão

para a negra luz do desemprego

e das carências em família. Manobrou

com perícia a cegonha de ferro no céu

da montanha, dialogou com Deus

e com os pássaros sociáveis; olhou

para o fundo de si e concluiu que na terra

ou nas nuvens a vida é sempre abismo

onde a altura é uma questão menor. Hoje

desceu de vez as escalas íngremes,

findou a concessão do troço e do capital,

agora está entregue a si que o mesmo é dizer

ao destino de ninguém. Lázaro

Nascimento diz que com esta descida

à terra morreu um pouco, e assim à terra

descerá definitivamente em tempo certo

sem estranheza de maior . Não carece

pois o Mestre o ressuscitar por mais

que alastre o pranto das irmãs

e os direitos da quadra. Na ferrugem

definitiva dos materiais o sinal perene

de que não vale a pena o esforço

de retirar os panos uma e outra vez.

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