segunda-feira, 27 de maio de 2013

Dente por Dente

[Lima de Freitas]

Dente por Dente

 Outros antes de nós tentaram o mesmo esforço: dente por
dente: não, nunca olhar de soslaio e manter a cabeça escar-
late, o vómito
nos pulsos por cada noite roubada; nem um
minuto para a glória da pele. Despertar de lado: olho por
olho: conservar a família em respeito, a esperança à distância
de todas as
fomes, o corno de cada dia nos intestinos. Aos
dezoito
anos, aos vinte e oito, a vida posta à prova da raiva e
do
amor, os olhos postos à prova do nojo. Entrar de costas no
festivaI das
letras, abrir passagem a golpes de fígado para a
saída do escarro. Se não temos saúde bastante sejamos pelo
menos doentes exemplares.
 
Fora do meu reino toda a pobreza, toda a ascese que gane
aos
artelhos dos que rangem os dentes; no meu reino apenas
palavras provisórias, ódio breve e escarlate. Nem um gesto de
paciência: o sonho ao nível de todos os perigos. Pelo meu
relógio são horas de matar, de chamar o amor para a mesa
dos
sanguinários.
 
Dente por dente: a boca no coração do sangue: escolher
a
tempo a nossa morte e amá-Ia.
António José Forte

Uma Faca nos Dentes
Prefácio de Herberto Helder
Parceria A.M. Pereira
Livraria Editora, Lda.


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