Poema XIV
Esta é a idade do Bode
E do Minotauro,
Do Abutre, da víbora
E dos Negreiros.
Das crianças marcadas a fogo
Pela fome
E dos homens-sem-medo
Chorando de pejo.
Dos amigos que abraçam
Escondendo punhais.
Dos carrascos que promovem
Funerais nacionais.
Da Cidade imensa
E do trigo queimado
Do analfabetismo extinto
Mas do jornal censurado.
Das baionetas urrando
E dos lábios cerrados!
Carlos Maria
de Araújo
1921 - Nasce em Lisboa, em 9 de abril.
1949 - Sai de Portugal para tratar-se de problemas de saúde na Suíça, onde vive
por algum tempo.
1952 - Versos, pequena coleção de textos publicada em Zurique.
1953 - Prepara o volume de poemas Degraus, que não chega a ser
publicado. Após uma estadia na Inglaterra, transfere-se para São Paulo, onde
vive do jornalismo de Imprensa e de Rádio.
1954 - Inicia a sua colaboração no O Estado de São Paulo, escrevendo
sobre diversas manifestações artísticas, além de assinar, por longos anos, uma
crônica satírica, "Aos Domingos". Também colabora dispersamente em
vários jornais brasileiros e publicações britânicas, norte-americanas e
francesas.
1960 - Ofício de Trevas, poemas com ilustrações de Clóvis Graciano.
1962 - Nove Poemas, com capa e desenhos de Acácio Assunção. Falece, na
queda do avião que o levaria à Inglaterra, nas águas da Baía da Guanabara, no
Rio de Janeiro, em 20 de agosto.
Carlos
Maria de Araújo segundo Jorge de Sena
[...]
A sua obra muito breve é por certo das mais notáveis da
poesia portuguesa que o desconhece ainda [...]; e pode considerar-se representada
pelos dois livros que publicou pouco antes de morrer. Poesia extremamente
despojada e densa, de uma intensa severidade formal e de vigorosa emoção
contida numa expressão lapidar, é bem a de um oficiante das trevas, dessas
trevas que tão terrivelmente cobrem a vida e o mundo. Nos seus ritmos curtos e
sincopados, sob os quais todavia flui oculta uma simplicidade quase
sentimental, esta poesia significa, como poucas das recentes, uma fulgurante
definição do exílio português, no que ele tem de amargo e de frustrado, como no
que, nele, resiste a tudo e mesmo ao medo que o verso tenha de sê-lo na boca do
poeta, qual este disse num dos seus mais belos poemas. JORGE DE SENA