quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

[Virá a Morte e Terá os Teus Olhos] - Francisco Duarte Mangas



 [Virá a Morte e Terá os Teus Olhos]

Tu não sabes as colinas
onde se derramou o sangue.
Todos nós fugimos
todos nós largámos
a arma e o nome. Uma mulher
olhava para nós quando fugíamos.
De nós só um
parou de punho cerrado,
olhou para o céu vazio,
inclinou a cabeça e morreu
contra o muro, em silêncio.
Agora é um trapo de sangue
e um nome. Uma mulher
espera-nos nas colinas.


Francisco Duarte Mangas

«A memória da luta parece infinita. Tecida na mais íntima matéria perecível, tão frágil, afinal, é de verdade. Sempre que releio Pavese, paro nas colinas: vício absurdo, eu sei.»


Cesare Pavese (Santo Stefano Belbo, 9 de Setembro de 1908 — Turim, 27 de Agosto de 1950) foi um escritor e poeta italiano. Nasceu nas Langhe (província de Cuneo), tendo-se mudado ainda em criança para Turim, donde se ausentou sempre apenas durante pouco tempo: passou um ano na prisão em Barcaleone (Reggio Calabria), comprometido por amigos políticos; passou algum tempo em Roma em trabalho para o editor Einaudi, de quem foi um dos mais eficazes conselheiros editoriais; suicidou-se em Turim em 1950. A sua tese de licenciatura foi sobre Walt Whitman e já não era um desconhecido quando em 1936 publicou Lavorare stanca: tinha já publicado e continuaria a publicar estudos sobre literatura norte-americana clássica e contemporânea, reunidos num volume (La letteratura americana e altri saggi) publicado postumamente em 1951.

Virá a morte e terá os teus olhos
Virá a morte e terá os teus olhos-
esta morte que nos acompanha
da manhã à noite, insone,
surda como um velho remorso
ou um vício absurdo. Os teus olhos
serão uma palavra inútil,
um grito calado, um silêncio.
Assim os vês em cada manhã
quando sobre ti só te debruças
ao espelho. Ó cara esperança,
naquele dia saberemos também nós
que és a vida e és o nada.

Para todos a morte tem um olhar.
Virá a morte e terá os teus olhos.
Será como deixar um vício,
como ver no espelho
ressurgir uma face morta,
como escutar lábios fechados.
Desceremos no remoinho mudos
.

 
Cesare Pavese (22 Março 1950)

Verrà la morte e avrà i tuoi occhi-
questa morte che ci accompagna
dal mattino alla sera, insonne,
sorda, come un vecchio rimorso
o un vizio assurdo. I tuoi occhi
saranno una vana parola,
un grido taciuto, un silenzio.
Così li vedi ogni mattina
quando su te sola ti pieghi
nello specchio. O cara speranza,
quel giorno sapremo anche noi
che sei la vita e sei il nulla

Per tutti la morte ha uno sguardo.
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi.
Sarà come smettere un vizio,
come vedere nello specchio
riemergere un viso morto,
come ascoltare un labbro chiuso.
Scenderemo nel gorgo muti.

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