quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

SARCASMO - RUI DE NORONHA

QUENGUÊLÊQUÊZE*

 

SARCASMO

 

No cume da montanha, imóvel, quedo,

Parara, há muitos anos, um penedo.

Era um penedo negro, informe e bruto

Como vestindo a humanidade em luto.

Das arestas sem conto e das profundas fendas

Contavam-se em redor milhões de negras lendas.

Daí, dessa eminência,

Sujeito à inclemência

Dos séculos, das noites

Dos ríspidos açoites,

Dos ventos e dos sóis,

– Um bloco de tristeza

Rasgando a Natureza,

A Humanidade, o Espaço,

E em decidido traço

Abrindo o Mundo em dois,

Contemplava o penedo, absorto e mudo.

Tristezas,

Ambições

Baixezas,

Corações,

Vanglórias,

... Tudo!

Um dia,

Subindo cauteloso a penedia,

Eu fui-me pôr de rojo, todo medo,

Junto ao penedo.

Era noite de Inverno. A ventania

Uivara no penedo a noite e o dia.

Horas sem conto ali fiquei, tremendo à escuta,

Colado o ouvido à pedra horrivelmente bruta.

Súbito, dentro, oscilações estranhas

De um revolver esdrúxulo de entranhas

Eu comecei a ouvir.

Os ventos se calaram.

Fez-se silêncio e então,

Na imensa solidão,

O penedo tremeu e dominando o Mundo

Lançou, oh! espanto! um gargalhar profundo.

E desatou a rir... a rir... a rir...

Era o penedo a rir dos Homens e do Mundo..

 

RUI DE NORONHA

* quenguêlêquêze” significa lua nova

 

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