segunda-feira, 28 de julho de 2008

A AGENDA

“Quem conhece os trabalhadores do meu país, conhece os de todo o mundo!”

(De um canteiro de Monsanto)

Enxotado, talvez seja o termo mais adequado à maneira como nessa manhã o trataram nos locais onde se dirigiu para pedir, melhor, mendigar emprego.

Cabisbaixo, regressava; não, regressar é voltar ao ponto de partida e ele caminhava, andava sem rumo, vagueava!

Há meses que este era o seu trabalho, o seu “perde-pão”. E, como que agarrado por um vício, deixara-se arrastar para junto dos portões daquela que fora a “sua” fábrica. Chamou-lhe sempre “minha” e, quando a perdeu, sentiu o desconforto de quem havia sido roubado.

A “sua” fábrica ligava-o à vida, vida vivida com entusiasmo, onde deu os primeiros passos no ofício, aprendeu a lutar, a viver!... Ela era, é, a sua identidade. Não lhe é possível relacionar nada, absolutamente nada, desligado de todo o seu mundo do trabalho, onde se construíra. Recordou o odor, o ruído das máquinas, a música das máquinas!... As lágrimas refugiavam-se-lhe na barba ao ver ao longe os vidros estilhaçados, prenúncio do fim, nos edifícios deixados ao abandono. E chorou, chorou como se chorasse a sua própria morte.

Olhou em redor, enxugou os olhos, apanhou uma agenda luxuosamente encadernada que pisara, remirou-a, abriu-a, desfolhou-a curioso. Em caligrafia cuidada leu: “Almoço de trabalho”. Almoço de trabalho?!... Encostou-se à parede mais próxima - estava em jejum - e procurou compreender como seria tamanha a tarefa. Lembrou-se da anedota em que no circo um homem comia sete perus, vinte bifes, três garrafões de vinho e bebia o último copo apressadamente porque tinha de ir jantar; e sorriu... Um sorriso baço, emprestado, um esgar. “Circo enorme este que espalhou os leões pela cidade!...” Ruminou.

Nos Dias Santificados, procurou o dos desempregados. Oh! Santa injustiça! Até Deus os esqueceu. Uma vaga oportuna para mais um santo, pensou.

Voltou a olhar para os portões fechados da “sua” fábrica, reabriu a agenda ao acaso e leu: “Ano-planing”. E, quando tentava decifrar o palavrão, ouviu a sirena para o retomar do trabalho. Um suor frio paralisou-o, sentiu-se desfalecer, a custo voltou a olhar para o portão agrilhoado. Alucinado, não viu mais que a enorme e robusta corrente apertada por um implacável cadeado. O receio de perder a razão tomou-o de pânico e, tentando estugar o passo, afastou-se perseguido pelo silvo que ora se tornava em lamento. Sentou-se no beiral de uma porta, cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos tapando os ouvidos; e assim esteve, não sabe bem por quanto tempo.

Acalmou-se e voltou à agenda: “diferenças horárias”, leu. Fez as contas e concluiu que os seus camaradas de infortúnio no Brasil já se haviam levantado, e em alguns Estados da América do Norte os desempregados dormiam ainda, sonhando com uma sociedade justa, o mesmo é dizer humana.

Deu uma olhadela pelas unidades monetárias: Para os desempregados o Peso era igual ao Dólar, à Libra, ao Escudo e mesmo ao Euro. Os sem trabalho, desde há muito que têm a sua “moeda única”: O “zero”.

No final da agenda deparou com algumas páginas brancas. Calculou que eram destinadas aos desempregados. Pegou num lápis e foi escrevendo frases sem ligação, talvez mesmo sem nexo, palavras, interrogações, tudo o que lhe passava pela mente:

“Olhem para um desempregado como se fosse um espelho, e pensem!”

“O desempregado é o excluído, o intocável desta tão propalada civilização ocidental, exemplo e padrão do mundo moderno de que tantos se ufanam”.

“Onde se encontra o Cartel do desemprego que faz mais vítimas que a droga?!”

“Cães!” (Sem ofensa para o meu bom amigo “Farrusco”).

“O bem-estar alicerçado na miséria, o que é?”

“O desemprego é flagelo ou crime?”

“Peço desculpa por existir: Passivo!”

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