HERANÇA
Vamos brincar de Brasil?
Mas sou eu quem manda
Quero morar numa casa grande
Começou desse jeito a nossa história
Negro fez papel de sombra
E foram chegando soldados e frades
Trouxeram as leis e os Dez Mandamentos
Jabuti perguntou:
“— Ora é só isso?”
Depois vieram as mulheres do próximo
Vieram imigrantes com alma a retalho
Brasil subiu até o 10.º andar
Litoral riu com os motores
Subúrbio confraternizou com a cidade
Negro coçou piano e fez música
Vira-bosta mudou de vida
Maitacas se instalaram no alto dos galhos
No interior
o Brasil continua desconfiado
A serra morde as carretas
Povo puxa bendito pra vir chuva
Nas estradas vazias
Cruzes sem nome marcam casos de morte
As vinganças continuam
Famílias se entredevoram nas tocaias
Há noites de reza e cata-piolho
Nas bandas do cemitério
Cachorro magro sem dono uiva sozinho
De vez em quando
a Mula-sem-cabeça sobe a serra
ver o Brasil como vai.
“PADRE-NOSSO” BRASILEIRO
(1964)
Olé Deus brasileiro, Deus de casa. Venha nos ajudar com a sua graça. Deixe o outro Deus metido em Roma (o que assusta as criancinhas que não rezam de noite), ocupado com a arrecadação de Padre-nossos. Fique aqui com a gente. O Brasil anda ruinzinho. Por favor, nos acuda (senão isso não vai). Precisamos de mágica. Queremos macumba. Feitiçaria. Qualquer coisa serve. Dê um jeito de perdoar as nossas dívidas (de imposto de renda, taxas de consumo. O preço das coisas não pára. Imagine: cafezinho a 25 cruzeiros!) Não deixe o Brasil cair de novo em tentação e corrupção (desfalques na Caixa Económica, Instituto de Aposentadoria e outras coisas). O feijão preto de cada dia dê-nos hoje (feijão com charque, arroz, média-pão-com-manteiga). Queremos renovar os nossos entusiasmos. Ter de novo um Brasil cheio de ternura, com embalos de rede e cata-piolhos: essa “Nêga Fulô; um Brasil que se diverte nas ruas com o “Bumba-meu-boi”; Brasil do Ascêncio Ferreira: “Hora de trabalhar? Pernas pró ar”. Amem.
Raul Bopp
Hora de comer, -- comer!
Hora de dormir, -- dormir
Hora de vadiar, -- vadiar!
Hora de trabalhar?
-- Pernas pró ar que ninguém é de ferro!
(Ascêncio Ferreira)
Sem comentários:
Enviar um comentário