Ilustrações de Álvaro Cunhal
Esteiros. Minúsculos canais, como dedos de mão espalmada, abertos na margem do Tejo. Dedos das mãos avaras dos telhais, que roubam nateiro às águas e vigores à malta. Mãos de lama que só o rio afaga.
1
Fecharam os telhais. Com os prenúncios de outono, as primeiras chuvas encheram de frémito o lodaçal negro dos esteiros, e o vento agreste abriu buracos nos trapos dos garotos, num arrepio de águas e de corpos. Também sobre os fornos e engenhos perpassou lufada desoladora, que não deixava o fumo erguer-se para o alto. Que indústria como aquela queria vento, é certo; mas sol também. -- Vento para enxugar e sol para calcinar -- sentenciavam os mestres. Mas o sol andava baixo: não calcinava o tijolo, nem as carnes juvenis da malta.
Menos por isso que pela fraqueza das vendas, os patrões não quiseram arriscar mais dinheiro nas fornadas. Ano mau... Todos os anos se dizia o mesmo. Desde que apareceu a telha francesa, e o bloco de cimento levou tudo de mal a pior.
-- Indústria pobre, senhor Castro -- chorava-se o Zé Vicente ao pagar a renda do terreno. -- Indústria pobre... -- E era.
Desde os garotos maltrapilhos aos valadores que vinham de muito longe -- sete horas de comboio, a sonhar jornas impossíveis. Por isso, agora, o dia sete de Setembro passava despercebido, sem festa. Dantes, era sagrado. Recebia-se a féria pagava-se os fiados de três meses e festejava-se a despedida. Os moços queimavam o resto das energias na ornamentação do telhal; arranjavam instrumentos de lata e cega-regas; desfilavam em cortejo. E, enquanto o caniço verde dos esteiros ondulava no alto dos fornos, as canas secas dos foguetes subiam ao ceu. Patrõese mestres sorriam, seguros da conciliação; moços e valadores cantavam, ansiosos de melhor vida.
Bons tempos, aqueles! Os mestres ainda berravam, como dantes: -- Eh, gente! Vamos ligeiro, que esta fornadaé o resto. -- Mas a cadência dos assos não se alterava, porque o pessoal já sabia que ia pagar o descanso com sete meses de privações.
Assim ficaram as eiras desertas. Apenas no Telhal Grande havia ainda algumas dezenas de tijolos que o mestre mandara pôr em fio, por causa do tempo ruim. E mesmo esses, depressa iriam engrossar as arrumas, bem cobertas de telha, e mais volumosas que quaisquer duas moradias da malta dos telhais.
Ali se guardava o suor dum verão de fadigas, Vento e sol; fadigas e suor -- era o que os telhais queriam.
Menos por isso que pela fraqueza das vendas, os patrões não quiseram arriscar mais dinheiro nas fornadas. Ano mau... Todos os anos se dizia o mesmo. Desde que apareceu a telha francesa, e o bloco de cimento levou tudo de mal a pior.
-- Indústria pobre, senhor Castro -- chorava-se o Zé Vicente ao pagar a renda do terreno. -- Indústria pobre... -- E era.
Desde os garotos maltrapilhos aos valadores que vinham de muito longe -- sete horas de comboio, a sonhar jornas impossíveis. Por isso, agora, o dia sete de Setembro passava despercebido, sem festa. Dantes, era sagrado. Recebia-se a féria pagava-se os fiados de três meses e festejava-se a despedida. Os moços queimavam o resto das energias na ornamentação do telhal; arranjavam instrumentos de lata e cega-regas; desfilavam em cortejo. E, enquanto o caniço verde dos esteiros ondulava no alto dos fornos, as canas secas dos foguetes subiam ao ceu. Patrõese mestres sorriam, seguros da conciliação; moços e valadores cantavam, ansiosos de melhor vida.
Bons tempos, aqueles! Os mestres ainda berravam, como dantes: -- Eh, gente! Vamos ligeiro, que esta fornadaé o resto. -- Mas a cadência dos assos não se alterava, porque o pessoal já sabia que ia pagar o descanso com sete meses de privações.
Assim ficaram as eiras desertas. Apenas no Telhal Grande havia ainda algumas dezenas de tijolos que o mestre mandara pôr em fio, por causa do tempo ruim. E mesmo esses, depressa iriam engrossar as arrumas, bem cobertas de telha, e mais volumosas que quaisquer duas moradias da malta dos telhais.
Ali se guardava o suor dum verão de fadigas, Vento e sol; fadigas e suor -- era o que os telhais queriam.
1 comentário:
Caro amigo e camarada Cid Simões
Tomei a liberdade de adicionar o seu blogue aos meus favoritos. Gostei muito do poema do Carlos de Oliveira.
Penso que sabe quem eu sou.
Um abraço
Paco (Castelo Branco)
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