Na efervescência do 25 de Abril, um dos meusvizinhos, frente à porta de entrada da suaresidência exibia, ostensivamente, o simbólico poster da Vieira da Silva. Procurava-me, saudava-me efusivamente e fui convidado algumas vezesparatomarcaféemsuacasa, onde os livros de autoresprogressistas se mostravam a despropósito. A contra-revolução foi-se instalando e, após uma das suasguinadasmais virulentas, o poster deu lugar a uma natureza-morta. O hall de entrada moldou-se a umalinhamentoclássico e os novosconvivas apresentavam uma posturaformal. Via-o sempre a correr e se nos cruzávamos lançava-me um “olá” apressado e displicente. Nãomuitotempodepois, todas as manhãs uma viatura do Estado,commotorista fardado, vinhabuscarsuaexcelência, o senhorengenheiro. Deixei de o verquando foi ocuparumaltocargo numa organizaçãobancáriaalguresem África.
Umcasoquenada tem de original e, quantosmais, cadaum de nósnão terá paracontar!?
Os tempossãooutros e a lutaparamanterouconquistarum “tacho” é cadavezmaisrenhida, porisso os gurus andam aturdidos e, porqueindividualistas, encontram-se tresmalhadosnão vislumbrando qual o redilque,futuramente, os poderá albergar. Dispondo de bompasto, a manada proliferou, acotovelando-se emespaçospartidárioscadavezmaisexíguos.
Os resultadoseleitorais enevoaram o futuro político-partidário, não se vislumbrando quemestre-sala irá repartir o boloapós os resultados das próximas legislativas. E porque, como deixou explicito o “democrata” Winston Churchill, “os fins justificam os meios”, os candidatos à rapadura do tachonão deixarão de utilizartodos os meios, dos menosescrupulosos aos maisindignos, parasatisfazerem a gula, epidémica ou congénita,que se apresenta de expressão bulímica.
Os gurus representam uma amplamanchaflutuante, disponível e servil, extremamentefrágil e vulnerável e, ao mesmotempo, moldável a qualquersituaçãopormaisambíguaoupouco recomendável paragentecomvergonha.
Estesescassos meses que os separam das legislativas vão-lhes exigir as mais sofisticadas acrobacias de baixeza, dolorososgolpes de rins, o recurso a indumentárias recicladas e movimentações lentas, mas seguras, próprias aos experimentados camaleões, quecomfacilidade e rapidez, mudam de aparência, de comportamentoou de carácter e queintencionalmente adaptam ou modificam as suasatitudes, comportamentosouopiniões, de acordocom as circunstâncias, especialmenteemfunção dos seusinteresses e conveniências pessoais.
Há querepensar as férias, alargar o leque de contactos; fazer-se encontrado, sugerirapoios, evitando comprometer-se abertamenteparadeixar o espaçoindispensável às mudanças de últimahora. Estes meses vão-lhes exigirumtrabalhointenso; está emjogo o futuropróximoindispensávelparagarantir a satisfação de encargos assumidos e umestilo de vida dificilmente conseguido de outromodo.
Digam-me como é uma árvore.
Digam-me o canto do rio quando se cobre de pássaros.
Falem-me do mar, falem-me do aromaaberto do campo,
das estrelas, do ar.
Recitem-me umhorizonte semfechadura e semchaves,
como a cabana de umpobre.
Digam-me como é o beijo de uma mulher. Dêem-me o nome do amor, não o recordo.
As noitesainda se perfumam
de apaixonados comtremores de paixãosob a Lua?
Ourestaapenas esta fossa,
a luz de uma fechadura e a canção das minhaslajes.
Vinte e doisanos… Já esqueço
a dimensão das coisas,
a suacor, o seuaroma… Escrevo
a tactear: «o mar», «o campo»…
Digo «bosques» e perdi
a geometria da árvore.
Falo, porfalar, de assuntos que os anosemmim apagaram
(não posso continuar, oiço
os passos do funcionário)