Mas...
E eu que achei que a lua não brilhasse
sobre os mortos no campo da guerrilha,
sobre a relva que encobre a armadilha
ou sobre o esconderijo da quadrilha,
mas brilha.
.
E achei que nenhum pássaro cantasse
Se um lavrador não mais colhe o que planta,
se uma família vai dormir sem janta
com um soluço preso na garganta,
mas canta.
.
Também pensei que a chuva não regasse
a folha cujo leite queima e cega,
a carnívora flor que o cego inseto pega
ou o espinho oculto na macega,
mas rega.
.
Pensei também que o orvalho não beijasse
a venenosa cobra que rasteja
no silêncio da noite sertaneja
sobre a ruína de esquecida igreja,
mas beija.
.
Imaginei
que a água não lavasse
o chicote que em sangue se deprava
quando, de forma monstruosa e brava,
abre trilhas de dor na pele escrava,
mas lava.
.
Apostei que nenhuma borboleta
-por ser um vivo exemplo de esperança-
dançaria
contente, leve e mansa
sobre o túmulo em flor de uma criança,
mas dança.
.
Por isso achei que eu não mais fizesse
poema algum após tanto embaraço,
tanta decepção, tanto cansaço
e tanta espera, em vão, por teu abraço,
mas faço.
Antônio
Roberto Fernandes