sábado, 11 de agosto de 2012

Meu galope é em frente


Mário Dionísio por Júlio Pomar, 1950

Meu galope é em frente


Direis que não é poesia
e a
mim que importa?
Eu canto porque a voz nasce e tem de libertar-se.
E
grito porque respondo
às
lanças que me espetam
e aos
braços que me chamam,
E
porque, dia e noite, minhas mãos e meus olhos,
por estranhas telegrafias,
dos
cantos mais ignotos
e das
linhas perdidas
e dos
campos esquecidos
e dos
lagos remotos,
e dos
montes,
recebem longas
mensagens e comunicações:
para que grite e cante.
O meu grito e meu canto é a voz de milhões.
Por isso que me importa?
Eu canto e cantarei o que tiver a cantar
e
grito e gritarei o que tiver a gritar
e
falo e falarei o que tiver a falar.
Direis que não é poesia.
E a
mim que importa
se
eu estou aqui apenas para escancarar a porta
e
derrubar os muros?
E a
mim que importa
se
vós sois afinal o que hei-de ultrapassar
e
esmigalhar
em nome
de
todos os futuros?
Eu sigo e seguirei.
como um doido ou um anjo,
obstinado e heróico a caminho de nós
em palavras e acções
por todos os vendavais
e
temporais
e
multidões
nos cantos mais ignotos
e nas
linhas perdidas
e
nos campos esquecidos
e
nos lagos remotos
e
nos montes
-
por terra, mar e ar.
Direis que não é poesia
E a
mim que importa!
Convosco ou não, meu galope é em frente.
Pertenço a
outra raça, a outro mundo, a outra gente.
É andar, é andar!
Mário Dionísio

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