quarta-feira, 29 de agosto de 2012

In memoriam do camponês desconhecido - António Cabral


Enterro do camponês - Gravura do artista plástico brasileiro Abelardo da Hora (1924)

In memoriam do camponês desconhecido

O que tinha setenta anos de terra,
um como tantos, morreu pela última vez.
Que umbral de papoilas receberia
devidamente o seu rosto vitorioso?
Quando entrou no cemitério,
o
orvalho cintilava em todas as roseiras
e
um pássaro de que não sei o nome
descreveu
alguns círculos e partiu.
Os calos floriam nas mãos dos homens,
as
mulheres perdiam-se no céu azul,
enquanto ele, um como tantos, regressava.
Eu te saúdo, irmão da urze bravia,
setenta
vezes setenta
anos de terra em flor e de miséria.

António Cabral
 (1931-2007)

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