domingo, 2 de fevereiro de 2014

CANTIGA DE ABRIL – Jorge de Sena



CANTIGA DE ABRIL

Às Forças Armadas e ao povo de Portugal
«Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade»

Qual a cor da liberdade?
É
verde, verde e vermelha.
Quase, quase cinquenta anos
reinaram neste
pais,
e
conta de tantos danos,
de
tantos crimes e enganos,
chegava
até à raiz.
Qual a cor da liberdade?
É
verde, verde e vermelha.
Tantos morreram sem ver
o
dia do despertar!
Tantos sem poder saber
com que letras escrever,
com que palavras gritar!
Qual a cor da liberdade?
É
verde, verde e vermelha.
Essa paz de cemitério
toda prisão ou censura,
e o
poder feito galdério.
sem limite e sem cautério,
todo embófia e sinecura.
Qual a cor da liberdade?
É
verde, verde e vermelha.
Esses ricos sem vergonha,
esses pobres sem futuro,
essa
emigração medonha,
e a
tristeza uma peçonha
envenenando o
ar puro.
Qual a cor da liberdade?
É
verde. verde e vermelha.
Essas guerras de além-mar
gastando as
armas e a gente,
esse morrer e matar
sem sinal de se acabar
por politica demente.
Qual a cor da liberdade?
É
verde, verde e vermelha.
Esse perder-se no mundo
o
nome de Portugal,
essa amargura
sem fundo,
miséria sem segundo,
desespero fatal.
Qual a cor da liberdade?
É
verde, verde e vermelha.
Quase, quase cinquenta anos
durou esta
eternidade,
numa
sombra de gusanos
e
em negócios de ciganos,
entre mentira e maldade.
Qual a cor da liberdade?
E
verde, verde e vermelha.
Saem tanques para a rua,
sai o
povo logo atrás:
estala enfim altiva e nua,
com força que não recua,
a
verdade mais veraz.
Qual a cor da liberdade?
É
verde, verde e vermelha.
Jorge de Sena
26-28(?)/4/1974

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