terça-feira, 21 de abril de 2015

25 de Abril - Vasco Costa Marques



25 de Abril

A muitos bastou a solução
barata
.........
De ir para a repartição
De barba por fazer
E sem gravata
Quando a mão-de-obra
mete as mãos à obra
que falta?
que sobra?

uma volta à chave
o dedo inquieto
que o raio dispara
o nobre sem sorte
o verdete amargo
na senda (???) da cobra
achada no escombro
pender a cabeça
e não achar ombro
estender a mão

e não achar faca
senão a que corta
a meia torrada
e o café deserto
no peso da tarde
regalo da mosca
no sono do velho
que pediu conselho
por dez mil ou mais
pois tem o cartão
o sessenta e cinco
que comprou depois
de apertar o cinto

Nada mais que um cabelo é a fronteira
entre o país da liberdade e o espaço
onde até mesmo os astros são poeira.

Num e noutro me arrisco. Vim tão cedo
que só existo inteiro quando passo
pelas fronteiras nítidas do medo.

Tudo tem de ser fruto do meu braço.
Nem o desastre cedo.

Sim
Podem encontrar-me
à porta da igreja
a pedir esmola a viúvas recentes
e velhas pensionistas
dois anos de mesa de café
agradecendo a bica
de amigos antigos
dizendo "cá vamos indo,
não há-de ser nada,
estou à espera..."
agradecendo a bica
de amigos antigos
dizendo "cá vamos indo,
não há-de ser nada,
estou à espera..."

O olhar entre enfadado e desgostoso
o cheiro da miséria a soprar para longe
dois anos a fazer-me encontrado
a mandar Boas Festas a deixar recados
"não posso deixar o número
tem havido avaria, isto hoje os telefones"
mensagens em garrafas
recolhidas porventura na Tasmânia
a pedir seja o que for
a agradecer coisa nenhuma
a informar que vendo horas de escrita
pela tarifa de caboverdianas da limpeza

Agora, pois, podem encontrar-me
à porta da igreja. Um sítio abrigado
um pouco frio, porém. Mas a gente que entra e sai raramente não deixa o seu óbolo (boa palavra esta), às vezes um queque
sem bicos que o menino chuchou.
Tudo se aproveita.
Às vezes há música lá dentro.

Vasco Costa Marques


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