Europa
Apontas para o rosto sarcástico do
sol de Inverno
E disparas. Há tantos meses que não
chove – reparaste?
É o próprio céu a desistir de ti. E
mesmo assim tu disparas, só sabes disparar.
Estás enganada, Europa. Envelheceste
mal e perdeste a humildade.
Não é contra o sarcasmo que
disparas, não é contra o Inverno,
Nem sequer contra o insólito, contra
o desespero.
Tu disparas contra a luz.
Podes atirar-nos tudo à cara,
Europa: bombas, palavras, relatórios de contas.
Podes até atirar-nos à cara um
deputado, uma cimeira.
Mas os teus filhos não querem
gravatas. Os teus filhos querem paz.
Os teus filhos não querem que lhes
dês a sopa. Os teus filhos querem trabalhar.
Há tantos meses que não chove –
reparaste?
A terra está seca. Nem abraçados à
terra conseguimos dormir.
Enquanto te escrevo, tu continuas a
fazer contas, Europa.
Quem deve. Quem empresta. Quem paga.
Mas os teus filhos têm fome, têm
sono. Os teus filhos têm medo do escuro.
Os teus filhos precisam que lhes
cantes uma canção, que os vás adormecer.
Eu acreditei em ti e tu roubaste-me
o futuro e o dos meus irmãos.
Se estamos calados, Europa, é apenas
porque, contrários ao teu gesto,
Nós não queremos disparar.
in Vem à Quinta-feira (2016: 46)
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