SERENATA DE SATÃ ÀS ESTRELAS
I
Nas noites triviais e desoladas,
Como vos quero, místicas estrelas!...
Lúcidas, antigas camaradas...
Gotas de luz, no frio ar nevadas,
Pudesse a minha boca inda bebê-las!
II
Nem vos conheço já. Por onde eu ando!..
Sois vós místicos pregos duma cruz,
Que Cristo estais no céu crucificando?...
Quem triste pelo ar vos foi soltando
Profundos, soluçantes ais de luz!
III
Oh! viagens nas nuvens desmanchadas!...
Doces serıes do céu entre as estrelas!...
Hoje só ais, ou lágrimas caladas...
Ai! sementes de luz, mal semeadas,
Ave do céu, pudesse eu ir comê-las!
IV
Triste, triste loucura, ó flores da cruz,
Quando eu vos dizia soluçando:
Afastai-vos ele mim, cardos de luz!...
Pudesse eu ter agora os pés bem nus,
Inda por entre vós i-los rasgando!...
V
Hoje estou velho e só e corcovado.
Causa-me espanto a sombra duma estola;
Enche-me o peito um tédio desolado:
E corro o mundo todo, esfomeado,
Aos abutres do céu pedindo esmola.
VI
Eu sou Satã o triste, o derrubado!
Mas vós, estrelas, sois o musgo velho
Das paredes do céu desabitado,
E a poeira que se ergue ao ar calado,
Quando eu bato c'o pé no Evangelho!
VII
O céu é cemitério trivial:
Vós sois o pó dos deuses sepultados!
Deuses, magros esboços do ideal!
Só com rasgar-se a folha dum missal,
Vós caís mortos, hirtos, gangrenado
VIII
Eu sou expulso, roto, escarnecido,
Mas a vós já ninguém vos quer as leis.
Ó velho Deus! ó Cristo dolorido!
Lembrai-vos que sois pó enegrecido,
E cedo em negro pó vos torreareis.
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