domingo, 5 de março de 2023

Não gosto dos velhacos - ANDRÉI DEMENTIÉV

 

Não gosto dos velhacos 

 

Não gosto dos velhacos.

Não sei dissimular.

Um tolo com elogios

não posso presentear.

 

Não me sei calar

quando ferve o coração.

Ofensas amargas

não troco por proveito.

 

Pode-se partir em duas

uma fatia de pão.

A metade da alma

não dou a ninguém.

 

Darmas tudo,

até ao fim, sem deixar nada.

Porque, tal como a vida,

a alma é indivisa.

 

Não gosto de velhacos.

Não sei dissimular.

O que penso de alguém

é para declarar.

 

Tudo posso repetir,

olhando bem de frente.

Mesmo que nem sempre

se trate de amigos

 

Eu não tenho proteção contra a boçalidade.

E desta vez ela é mais forte.

Sinos cristalinos se quebraram –

apelos meus de bondade.

 

se ouve como na alma brinca

a tristeza do velho violino.

E a palavra escolhe para o lugar,

que os olvidos foram inesperados.

 

Eu não tenho proteção contra a boçalidade.

É pecado estar indefeso?

E de novo nas ondas do meu desgosto

o riso se engasgou.

 

Bem, mas a boçalidade de vez em quando esfrega as mãos.

Tudo entretanto lhe pega na mão.

Quantos mundos com isso perdeu!

nos unia a falta de tempo.

 

Eu não tenho proteção contra a boçalidade.

Que pena, que na minha alma

os sinos cristalinos se quebrassem.

Mas eu guardo-os para outras pessoas.

 

ANDRÉI DEMENTIÉV

(tradução diretamente do russo por Manuel de Seabra – Vértice Março/Abril, 1979)

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