6 e 9 de agosto de 1945, os Estados Unidos
fizeram uso, pela primeira vez na história da humanidade, de armas atómicas
contra as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki.
HIROXIMA
Nos limites da razão
onde os homens produzem monstros
todos nos sentimos escombros
do maior terrorismo da História
humana.
Nasceu a manhã mais cruel da mais
inocente madrugada
a manhã mais negra do que a noite
do absurdo.
O inferno rasgou o sol e a lua
os rostos e os braços
arrancou as árvores
secou os rios e as fontes
enchendo a cidade de sangue e
corpos em pedaços.
Um mar de gente ... no corpo nu da
solidão
gente só... no ventre da multidão
olhos vidrados de lágrimas e pânico
correndo... fugindo...
para onde... para o nada...
para o abismo da escuridão
sobre restos de sonhos e pedaços de
vida
espalhados pelo chão
onde a dor fincou as garras
abafando os gritos em catedrais de
cinzas.
O fim de tudo entrou pelas portas e
janelas
e comeu tudo...
comeu as casas que caíram
as mãos que deixaram de brincar
comeu os olhos que deixaram de
olhar
e as bocas que deixaram de respirar.
Tudo era dentro e tudo era fora
na amplidão do desespero
não havia mães nem filhos nas
entranhas da aflição
não havia rumo nem caminho
no deserto infindo da maldição.
Tudo se fez pó
não ficou pedra sobre pedra
e nem pedras havia no chão
já o chão não era chão
mas o fundo abismo de uma cratera
onde tudo era estendal de morte
sem porta de entrada sem porta de
saída
sem tempo sem norte sem vida
sem ruas sem movimento
sem fímbria de céu ou de mar.
O nada entrou no coração
que deixou de bater no peito de
muitos mil
ao peso de cinquenta quilos de
urânio
e toneladas de glória americana
erguendo até ao cume da barbárie
a bandeira mais cruel da natureza
humana.
Uma fria luz de prata atravessou o
mundo
perfurou a mente e as ideias
em seco lamento de gemido sem
remédio
como latido de cão atirado ao vento.
E o mundo dormiu suavemente...
e ainda hoje não acordou.
Entre milhares de bombas e
estrondosos hinos
o mundo de olhos cegos e ouvidos
moucos
ainda dorme...
nada mais ouvindo que o silêncio dos
assassinos.
Adão Cruz
Médico, poeta e pintor.
Foi médico militar na Guiné quando da Guerra Colonial