quarta-feira, 7 de agosto de 2024

HIROXIMA - Adão Cruz

 6 e 9 de agosto de 1945, os Estados Unidos fizeram uso, pela primeira vez na história da humanidade, de armas atómicas contra as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki.

HIROXIMA 

Nos limites da razão

onde os homens produzem monstros

todos nos sentimos escombros

do maior terrorismo da História

humana.

Nasceu a manhã mais cruel da mais

inocente madrugada

a manhã mais negra do que a noite

do absurdo.

O inferno rasgou o sol e a lua

os rostos e os braços

arrancou as árvores

secou os rios e as fontes

enchendo a cidade de sangue e

corpos em pedaços.

Um mar de gente ... no corpo nu da

solidão

gente só... no ventre da multidão

olhos vidrados de lágrimas e pânico

correndo... fugindo...

para onde... para o nada...

para o abismo da escuridão

sobre restos de sonhos e pedaços de

vida

espalhados pelo chão

onde a dor fincou as garras

abafando os gritos em catedrais de

cinzas.

O fim de tudo entrou pelas portas e

janelas

e comeu tudo...

comeu as casas que caíram

as mãos que deixaram de brincar

comeu os olhos que deixaram de

olhar

e as bocas que deixaram de respirar.

Tudo era dentro e tudo era fora

na amplidão do desespero

não havia mães nem filhos nas

entranhas da aflição

não havia rumo nem caminho

no deserto infindo da maldição.

Tudo se fez pó

não ficou pedra sobre pedra

e nem pedras havia no chão

já o chão não era chão

mas o fundo abismo de uma cratera

onde tudo era estendal de morte

sem porta de entrada sem porta de

saída

sem tempo sem norte sem vida

sem ruas sem movimento

sem fímbria de céu ou de mar.

O nada entrou no coração

que deixou de bater no peito de

muitos mil

ao peso de cinquenta quilos de

urânio

e toneladas de glória americana

erguendo até ao cume da barbárie

a bandeira mais cruel da natureza

humana.

Uma fria luz de prata atravessou o

mundo

perfurou a mente e as ideias

em seco lamento de gemido sem

remédio

como latido de cão atirado ao vento.

E o mundo dormiu suavemente...

e ainda hoje não acordou.

Entre milhares de bombas e

estrondosos hinos

o mundo de olhos cegos e ouvidos

moucos

ainda dorme...

nada mais ouvindo que o silêncio dos

assassinos.

Adão Cruz

Médico, poeta e pintor.

Foi médico militar na Guiné quando da Guerra Colonial


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