sexta-feira, 16 de novembro de 2012

PRIMEIRO RETRATO NATURAL



Alexandre O’Neill

PRIMEIRO RETRATO NATURAL

Ela queria perceber o que se passa.
Queria?

Passa a rua às risadas.
«Uscumunistas?»

Gritam flores da jarra.
Estão inocentes?

O telefone terrinta.
É o destino?

Na bandeja de prata, o sedativo.
Por tomar?

Na sala das porcelanas, a senhora.
Por viver.

*

De sentinela à porcelana
está Inês ou Teresa ou Ana
(Maria, deixa-se ver).
Tem à mão uma bengala
para o que der e vier:
«Se os bolchevistas entrarem,
vão ver, vão ver!
As porcelanas inteiras
é que eles não hão-de ter

*

Porcelana implora
senhora insiste.
Até que a levam prà cama,
Pauzinho em riste, zangada.

É um terrina vazia
que em sonhos se suicida
à bengalada.

(1975)

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