segunda-feira, 30 de junho de 2014

ECCHE HOMO - Friedrich Nietzsche



ECCHE HOMO

Sim! Eu sei que me resume:
Insaciado como o lume,
Eu brilho e ardo-me inteiro.
Luz se torna quanto eu faço,
Cinza tudo após que eu passo -
O Fogo sou verdadeiro!

Friedrich Nietzsche
 Tradução de Jorge de Sena

sexta-feira, 27 de junho de 2014

UM HOMEM PASSA COM UM PÃO AO OMBRO - César Vallejo



UM HOMEM PASSA COM UM PÃO AO OMBRO

Um homem passa com um pão ao ombro
- Vou escrever, depois, sobre o meu duplo?
Outro senta-se, coça-se, tira um piolho do sovaco, mata-o
- Com que desplante falar da Psicanálise?
Outro entrou em meu peito com um pau na mão
- Falar, em seguida, de Sócrates ao médico?
Um coxo passa dando o braço a um menino
- Vou, depois, ler André Breton?
Outro treme de frio, tosse, cospe sangue
- Convirá não aludir jamais ao Eu profundo?
Outro busca no lodo ossos e cascas
- Como escrever, depois, sobre o infinito?
Um pedreiro cai de um telhado, morre, já não almoça
- Inovar, em seguida, a metáfora, o tropo?
Um comerciante rouba um grama no peso a um freguês
- Falar, depois, da quarta dimensão?
Um banqueiro falsifica o seu balanço
- Com que cara chorar no teatro?
Um pária dorme com um pé às costas
- Falar, depois, a ninguém de Picasso?
Alguém vai num enterro a soluçar
- Como em seguida ingressar na Academia?
Alguém limpa uma espingarda na cozinha
- Com que desplante falar do mais além?
Alguém passa a contar pelos dedos
- Como falar do não-eu sem dar um grito?
César Vallejo

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Juan Gelman


1930 - 2014

XCI

toda poesia é hostil ao capitalismo
pode tornar-se seca e dura não
porque seja pobre mas
para não contribuir para a riqueza oficial

pode ser a sua maneira de protestar de
tornar-se fraca já que tem fome
amarela de sede e sofrida
de pura dor que tem pode ser que

em troca abra os becos do delírio e as bestas
cantem atropelando-se vivas de
fúria de calor sem destino pode
ser que se negue a si mesma como outra

maneira de vencer a morte
assim como se chora nos velórios
poetas de hoje
poetas deste tempo

nos separaram da grei não sei que será de nós
conservadores comunistas apolíticos quando
aconteça o que vai acontecer mas
toda poesia é hostil ao capitalismo.



Juan Gelman
XCI
toda poesía es hostil al capitalismo
puede volverse seca y dura pero no
porque sea pobre sino
para no contribuir a la riqueza oficial

puede ser su manera de protestar de
volverse flaca ya que hay hambre
amarilla de sed y penosa
de puro dolor que hay puede ser que

en cambio abra los callejones del delirio y las bestias
canten atropellándose vivas de
furia de calor sin destino puede
ser que se niegue a sí misma como otra

manera de vencer a la muerte
así como se llora en los velorios
poetas de hoy
poetas de este tiempo

nos separaron de la grey no sé que será de nosotros
conservadores comunistas apolíticos cuando
suceda lo que sucederá pero
toda poesía es hostil al capitalismo

Juan Gelman
Cólera buey (1964)


terça-feira, 24 de junho de 2014

Iluminar - Vladimir Mayakovsky

Iluminar,

iluminar sempre,

iluminar tudo,

iluminar todos,

apenas iluminar,

esse é o meu lema,

e o do Sol.

Vladimir Mayakovsky



NÃO PASSAM MAIS - Ary dos Santos




NÃO PASSAM MAIS

Em nome dos nossos braços
em nome das nossas mãos
em nome de quantos passos
deram os nossos irmãos.
Em nome das ferramentas
que nos magoaram os dedos
das torturas das tormentas
das sevícias dos degredos.
Em nome daquele nome
que herdámos dos nossos pais
em nome da sua fome dizemos:
não passam mais!
E em nome dos milénios
de prisão adicionada
em nome de tantos génios
com a voz amordaçada
em nome dos camponeses
com a terra confiscada
em nome dos Portugueses
com a carne estilhaçada
em nome daqueles nomes
escarrados nos tribunais
dizemos que há outros nomes
que não passam nunca mais!

Em nome do que nós temos
em nome do que nós fomos
revolução que fizemos
democracia que somos
em nome da unidade
linda flor da classe operária
em nome da liberdade
flor imensa e proletária
em nome desta vontade
de sermos todos iguais
vamos dizer a verdade
dizendo: não passam mais!
Em nome de quantos corpos
nossos filhos foram feitos.
Em nome de quantos mortos
vivem nos nossos direitos.
Em nome de quantos vivos
dão mais vida à nossa voz
não mais seremos cativos:
O trabalho somos nós.
Por isso tornos enxadas
canetas frezas dedais
são as nossas barricadas
que dizem: não passam mais!
E em nome das conquistas
vindas nos ventos de Abril
reforma agrária controlo
operário no meio fabril
empresas que são do estado
porque o seu dono é o povo
em nome de lado a lado
termos feito um país novo.
Em nome da nossa frente
e dos nossos ideais
diante de toda a gente
dizemos: não passam mais!
Em nome do que passámos
não deixaremos passar
o patrão que ultrapassámos
e que nos quer trespassar.
E por onde a gente passa
nós passamos a palavra:
Cada rua cada praça
é o chão que o povo lavra.
Passaremos adiante
com passo firme e seguro.
O passado é já bastante
vamos passar ao futuro. 

ARY DOS SANTOS