(dedico aos meninos de Gaza)
EU FALO DAS CASAS E DOS HOMENS
Eu
falo das casas
e dos homens,
dos vivos
e dos mortos:
do que
passa e não
volta nunca
mais...
Não
me venham dizer
que estava materialmente
previsto,
ah, não
me venham com
teorias!
Eu
vejo a desolação e a fome,
as angústias
sem nome,
os pavores
marcados para sempre
nas faces trágicas
das vítimas.
E sei que
vejo, sei que imagino apenas uma ínfima,
uma insignificante
parcela da tragédia.
Eu,
se visse, não acreditava.
Se visse, dava em louco ou profeta,
dava em
chefe de bandidos,
em salteador
de estrada,
- mas
não acreditava!
Olho
os homens, as casas
e os bichos.
Olho
num pasmo sem
limites,
e fico sem
palavras,
na dor
de serem homens que
fizeram tudo isto:
esta pasta
ensanguentada a que reduziram a terra inteira,
esta lama
de sangue e alma,
de coisa
a ser,
e pergunto numa angústia
se ainda haverá alguma esperança,
se o ódio
sequer servirá para
alguma coisa...
Deixai-me chorar
- e chorai!
As lágrimas
lavarão ao menos a vergonha
de estarmos vivos,
de termos
sancionado com o nosso
silêncio o crime
feito
instituição
e enquanto
chorarmos talvez julguemos nosso o drama,
por
momentos será nosso
um pouco
do sofrimento alheio,
por
um segundo
seremos os mortos e os torturados,
os aleijados
para toda a vida, os loucos
e os encarcerados,
seremos a terra
podre de tanto
cadáver,
seremos o sangue
das árvores,
o ventre
doloroso das casas
saqueadas,
- sim,
por um
momento seremos a dor
de tudo isto...
Eu
não sei porque
me caem as lágrimas,
porque
tremo e que arrepio
corre dentro de mim,
eu
que não
tenho parentes nem
amigos na guerra,
eu
que sou estrangeiro
diante de tudo
isto,
eu
que estou na minha
casa sossegada,
eu
que não
tenho guerra à porta,
- eu porque tremo
e soluço?
Quem chora em mim, dizei -
quem chora
em nós?
Tudo aqui vai como um rio farto de conhecer os seus meandros:
as ruas
são ruas
com gente
e automóveis,
não há sereias
a gritar pavores
irreprimíveis,
e a miséria é a mesma
miséria que
já havia...
E se tudo é igual
aos dias antigos,
apesar da Europa à nossa
volta, exangue
e mártir,
eu pergunto se não
estaremos a sonhar que
somos gente,
sem irmãos nem consciência,
aqui enterrados vivos,
sem nada senão lágrimas que vêm tarde,
e uma noite à volta,
uma noite em que nunca chega o alvor da madrugada...
Adolfo Casais
Monteiro