O ATERRO
Ao longo dêste cais enorme e mal tratado,
sobre o rio de águas turvas e barrentas,
estende-se o mercado…
Ao lado,
há rixas violentas
e sangrentas,
nas mil tabernas
do cais…
Fatais,
eternas,
as lutas pela vida, mais e mais,
deformam certos crâneos já brutais.
E há faces negras e mãos aduncas,
nas espeluncas…
Vejam esse petiz de de olhos profundos,
que já sabe roubar,
e faz gestos imundos
a quem vai a passar…
Esse outro que aí anda,
de cigarro na boca e gorro à banda,
já é mestre no conto do vigário.
E essa garota ingénua,
de gesto envergonhado,
que vida tem levado!
De volta da Ribeira,
uma linda peixeira,
miudinha,
escultural,
tem movimentos ágeis de sardinha,
cheira a sal…
Agora estala o silvo de um combóio,
que sacode o torpor da linha férrea,
parada, adormecida…
Impagável a fé deste saloio,
que vai jorgar
naquela casa térrea,
tudo o que tem,
talvez a própria vida…
Cabeçudos, biliosos, os eléctricos,
passam nos rails hirtos e geométricos
Oiço um pregão
e o timbre extraordinário,
obriga me a pensar
nos versos de Cesário…
…Dá meio-dia um velho campanário,
para lá da Pampulha…
Nas docas
tem sono o rio e marulha…
O mercado é agora
um monte de destroços
onde uma velha bruxa,
passa arrastando os ossos.
No cais a maré puxa e repuxa,
tenta arrastar o lôdo,
mas jamais conseguiu leva-lo todo,
e as águas continuam cor de barro,
e as muralhas de pedra criam sarro.
Ingénua e linda apenas uma nota:
ao longe, sobre o Tejo,
um vôo de gaivota.
Fernanda
de Castro
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