sábado, 5 de dezembro de 2015

ODE AO LIVRO - Pablo Neruda



ODE AO LIVRO

Livro, quando te fecho
abro a vida.
Ouço
entrecortados gritos
nos portos.
Os lingotes de cobre
atravessam os areais,
descem para Tocopilla.
É de noite.
Entre as ilhas
o nosso mar
palpita com seus peixes.
Toca nos pés, nas coxas,
nas costelas calcárias
da minha pátria.
Toda a noite se atira contra a praia
e com a luz do dia
amanhece cantando
como se despertasse uma viola.

Por mim chama o bater
deste mar. Por mim
o vento chama,
e chama-se Rodríguez,
José António,
recebi um telegrama
do Sindicato «Mina»
e aquela que eu amo
(não lhes direi seu nome)
espera-me em Bucalemu.

Livro, tu não conseguiste
embrulhar-me em papel,
não me encheste,
de tipografia,
de impressões celestes,
não conseguiste
encadernar-me os olhos,
saio de ti pra cobrir o arvoredo
com rouca família do meu canto,
trabalhar metais incandescentes
ou comer carne assada
junto à fogueira nos montes.
Amo os livros
exploradores,
livros com bosque ou neve,
profundidade ou céu,
enquanto

odeio
o livro aranha
onde o pensamento
foi dispondo arame venenoso
para que ali se enrede
a juvenil e circundante mosca.
Livro, deixa-me livre.
Eu não quero andar vestido
de volume,
não venho de um tomo,
os meus poemas,
não comeram poemas,
devoram
apaixonados acontecimentos,
nutrem-se de intempéries,
retiram alimento
da terra e dos homens.
Livro, deixa-me andar pelos caminhos
com poeira nos sapatos
e sem mitologia:
volta à tua biblioteca,
eu vou por essas ruas.

Aprendi a vida
da vida,
aprendi o amor com um só beijo,
e não pude ensinar nada a ninguém
senão quando vivi,
o que tive em comum com outros homens,
o que lutei com eles:
o que exprimi de todos no meu canto.

Pablo Neruda

(tradução de Fernando Assis Pacheco)