segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

JOSÉ PACIÊNCIA - Eduardo Olímpio




JOSÉ PACIÊNCIA

vocês não conhecem josé paciência
 um tipo encolhido de altura meã?
 vinte anos de trolha vai ser promovido
amanhã

vocês não conhecem josé paciência
a casa de tábuas e de telha-vã?
só filhos são nove e hão-de ir para a escola
amanhã

vocês não conhecem josé paciência
a tralha no prego desde a loiça à lã?
para pagar ao médico que a mulher se cura
amanhã

vocês não conhecem josé paciência
das oito às dezoito sempre num afã?
quer vencer a morte dar um rumo aos filhos
amanhã

foi à santa casa à caixa ao ministro
pediu por favor por deus por satã
mas falta um carimbo mas falta um carimbo e volte
amanhã

vocês conheceram josé paciência
um tipo encolhido de altura meã? tinha nove filhos a mulher doente
morreu enforcado morreu impotente
num papel selado numa telha-vã

vai ser enterrado muito bem vestido
muito bem tratado muito bem florido
amanhã

e nós que fizemos e nós os heróis
de sartre no peito de neruda em riste?
que mão lhe estendemos que abraço lhe demos
na noite mais negra na manhã mais triste?

e nós que aguardamos a sorte o milagre
que um deus nos proteja mesmo um deus fardado?
e nós em que telha atamos a corda?
e a nossa impotência em que papel selado?

iremos rezar ao papa ao ministro
à farda à igreja a um deus a satã
que nos mandem cristo
que nos mandem cristo
(de G. 3 está visto...)
amanhã?


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