domingo, 17 de março de 2019

SAUDAÇÃO A CHE GUEVARA - Manoel de Andrade



SAUDAÇÃO A CHE GUEVARA

No sonho da liberdade
onde cada mártir renasce,
onde não há homem sem terra
onde não há povo sem face,
num tempo, gesto de sangue
no sangue, gesto de amor,
no amor de quem se deu
como um perfume de flor
e nessa flor de montanha
aberta pro continente
nesta beleza tamanha
na minha fé deslumbrante
tu estás meu Comandante
numa saudade bem clara
dos que morrem e que renascem
contigo, Ernesto Guevara.
.

No nosso ódio indigesto
na voz da conspiração
na passeata de protesto
em cada homem sem pão
em cada cidadão livre
que é metralhado na rua
no seio de cada greve
no salário de quem sua
na opressão e na fome
nesse mal que nos consome
como farol claro e forte
surge tua imagem, teu nome
teu braço de guerrilheiro
como um fuzil justiceiro
nos apontando o roteiro
em busca da liberdade.
.

Nas pátrias negociadas
desta América sofrida
na ditadura instalada
na terra não repartida
em toda prisão injusta
em todo estudante morto
em cada homem sem rosto
de quem outro vive à custa
no estômago agonizante
nos punhos que desabrocham
pra rubra flor do combate,
tu estás, meu Comandante.
.

Enquanto a noite se escorre
na garganta da ampulheta
as gerações se preparam
para a estação da colheita.
A semente está brotando
na flor da revolução
e a consciência do povo
vai tomando posição.
Tu semeaste a bom tempo
os grãos dos frutos por vir
que levados pelo vento
no estampido dos metais
brotam nos campos ao sul
das terras continentais.
.

Adios, adios, hasta siempre
meu imortal Comandante,
na terra há flores se abrindo
no peito a fé triunfante
no tempo um caminho aberto
e nele os homens sorrindo
num largo gesto de hermano
na busca de um mundo novo
da pátria purificada
para a alegria do povo.

Este poema, Saudação a Che Guevara, escrito em outubro de 1968, para comemorar o primeiro ano da morte do CHE, na Bolívia, teve suas 3.000 cópias panfletadas em ambientes estudantis e sindicais, no fim daquele ano, de Curitiba. O poema, colocando liricamente a sua imagem de Comandante no centro de todos os movimentos revolucionários do continente, convocava a luta armada e saudava a sua imortalidade como uma consigna triunfante na conquista de um mundo novo. Alguns panfletos foram aprendidos pelo DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social) e seu autor, passou a ser procurado. Em razão disso deixou o Brasil em março de 1969 iniciando sua trajetória poética ao longo de 15 países da América Latina. Em outubro de 1969 a Federación Universitária de Cochabamba, na Bolívia, publica o poema em centenas de exemplares de um cartaz anônimo, ilustrado com a arte de Atílio Carrasco. Só agora, 40 anos depois, é que este poema, que correu o Continente, nas várias edições, em espanhol, do seu livro POEMAS PARA A LIBERDADE, aparece no Brasil editado este ano (2009) pela Escrituras. Este site, registrando os 42 anos da morte do grande guerrilheiro, publica em primeira edição virtual o poema do palavreiro Manoel de Andrade.

Curitiba, Outubro de 1968

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