Apfelstrudel
Aprende comigo, filha,
Este andar de sombra de serpente,
Rente e rasteiro,
esgueirado nas esquinas,
Com a leveza nos pés, as mãos vertiginosas,
A suspender a trepidação cardíaca,
E o curso do sangue nas veias.
Um dia te ensino, minha filha,
A escutar as cores, a falar silêncios,
A soltar os fiapos,
Das arestas, dos estilhaços,
Que te embaraçam a saia.
A caminhar nos escombros,
Sem derrocar pedra pequeninas, areias, cacos,
fragmentos, restos,
Excertos de existências,
Pulverizadas.
Aprende comigo, filha,
Que nem o caos deve ser perturbado
E a vida voa baixinho
Nunca te lerei poemas, meu amor,
Que te puxem a fome, e a beleza intacta das coisas
Ofende o despedaço.
Leremos juntas,
Não os livros sagrados
Que pregam o perdão e praticam o esquecimento.
De nós
Leremos juntas,
Olha, que lindo,
O livro de receitas da avó:
Deite a farinha em monte sobre uma superfície
lisa,
A candura das palavras, filha, repara:
No meio um ovo e duas colheres de azeite,
A exactidão da sintaxe:
Amasse com água morna e sal,
E na volúpia da fusão,
Envolva na massa a compota de maçã,
Entraremos juntas na absolvição do cosmos.
In Pequenos Delírios Domésticos
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