Elas vão à parteira que lhes diz que já vai adiantado.
Elas alargam o cós das saias. Elas choram a vomitar na pia. Elas limpam a pia.
Elas talham cueiros. Elas passam fitilhos de seda no melhor babeiro. Elas andam
descalças que os pés já não cabem no calçado. Elas urram. Elas untam o mamilo
gretado com um dedal de manteiga. Elas cantam baixinho a meio da noite a
niná-lo para que o homem não acorde. Elas raspam as fezes das fraldas com uma
colher romba. Elas lavam. Elas carregam ao colo. Elas tiram o peito para fora
debaixo de um sobreiro. Elas apuram o ouvido no escuro para ver se a gaiata na
cama ao lado com os irmãos não dá por aquilo. Elas assoam. Elas lavam joelhos
com água morna. Elas cortam calções e bibes de riscado. Elas mordem os beiços e
torcem as mãos, a jorna perdida se o febrão não desce. Elas lavam os lençois
com urina. Elas abrem a risca do cabelo, elas entrançam. Elas compram a lousa e
o lápis e a pasta de cartão. Elas limpam rabos. Elas guardam uma madeixita
entre dois trapos de gaze. Elas talham um vestido de fioco para uma boneca de
papelão escondida debaixo da cama. Elas lavam as cuecas borradas do primeiro
sémen, do primeiro salário, da recruta. Elas pedem fiado popeline da melhor
para a camisa que hão-de levar para a França, para Lisboa. Elas vão à estação
chorosas. Elas vêm trazer um borrego à primeira barraca e ao primeiro neto.
Elas poupam no eléctrico para um carrinho de corda.
Coisas que elas dizem:
— Se mexes aí, corto-ta.
— Isso não são coisas de menina.
— O meu homem não quer.
— Estuda, que se tiveres um empregozinho sempre é uma ajuda.
— A mulher quer-se é em casa.
— Isto já vai do destino de cada um.
— Deus não quiz.
— Mas o senhor padre disse-me que assim não.
— Dá um beijinho à senhora que é tão boazinha para a gente.
— Você sabe que eu não sou dessas.
— Estás a dar cabo do teu futuro com uns e com outros.
— Deixa-te disso, o que é preciso é sossego e paz de espírito.
— Comprei uns jeans bestiais, pá.
— Sempre dá para uma televisão daquelas novas.
— Cada um no seu lugar.
— Julgas que ele depois casa contigo?
— Sempre há-de haver pobres e ricos.
— Se tu gostasses de mim não andavas com aquela cabra a gastar o nosso.
— Põe o comer ao teu irmão que está a fazer os trabalhos.
— Sempre é homem.
Coisas que elas dizem:
— Se mexes aí, corto-ta.
— Isso não são coisas de menina.
— O meu homem não quer.
— Estuda, que se tiveres um empregozinho sempre é uma ajuda.
— A mulher quer-se é em casa.
— Isto já vai do destino de cada um.
— Deus não quiz.
— Mas o senhor padre disse-me que assim não.
— Dá um beijinho à senhora que é tão boazinha para a gente.
— Você sabe que eu não sou dessas.
— Estás a dar cabo do teu futuro com uns e com outros.
— Deixa-te disso, o que é preciso é sossego e paz de espírito.
— Comprei uns jeans bestiais, pá.
— Sempre dá para uma televisão daquelas novas.
— Cada um no seu lugar.
— Julgas que ele depois casa contigo?
— Sempre há-de haver pobres e ricos.
— Se tu gostasses de mim não andavas com aquela cabra a gastar o nosso.
— Põe o comer ao teu irmão que está a fazer os trabalhos.
— Sempre é homem.
Elas olham para o espelho muito tempo. Elas choram.
Elas suspiram por um rapaz aloirado, por duas travessas para o cabelo
cravejadas de pedrinhas, um anel com pérola. Elam limpam com algodão húmido as
dobras da vagina da menina pensando, coitadinha. Elas escondem os panos sujos
de sangue carregadas de uma grande tristeza sem razão. Elas sonham três noites
a fio com um homem que só viram de relance à porta do café. Elas trazem no saco
das compras uma pequena caixa de plástico que serve para pintar a borda dos
olhos de azul. Elas inventam histórias de comadres como quem aventura. Elas
compram às escondidas cadernos de romances em fotografias. Elas namoram muito.
Elas namoram pouco. Elas não dormem a pensar em pequenas cortinas com folhos.
Elas arrancam os primeiros cabelos brancos com uma pinça comprada na drogaria.
Elas gritam a despropósito e agarram-se aos filhos acabados de sovar. Elas
andam na vida sem a mãe saber, por mais três vestidos e um par de botas. Elas
pagam a letra da moto ao que lhes bate. Elas não falam dessas coisas. Elas
chamam de noite nomes que não vêm. Elas ficam absortas com a mola da roupa
entre os dentes a olhar o gato sentado no telhado entre as sardinheiras. Elas
queriam outra coisa.
Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram faltar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro urna cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrebaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.
Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram faltar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro urna cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrebaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.
in Cravo
(1976).
1 comentário:
Já está na minha página desde hoje de muito cedo.
Está, completo, aqui:
https://ocheirodailha.blogspot.com/search?q=velho+da+costa
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