quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O Tempo sujo - Alexandre O’Neill

 

O Tempo sujo

 

Há dias que eu odeio

Como insultos a que não posso responder

Sem o perigo de uma cruel intimidade

Com a mão que lança pus

Que trabalha ao serviço da infecção

 

São dias que nunca deviam ter saído

Do mau tempo fixo

Que nos desafia da parede

Dias que nos insultam que nos lançam

As pedras do medo os vidros da mentira

As pequenas moedas da humilhação

 

Dias ou janelas sobre o charco

Que se espelha no céu

Dias do dia-a-dia

Comboios que trazem o sono a resmungar para o trabalho

O sono centenário

Mal vestido mal alimentado

Para o trabalho

A martelada na cabeça

A pequena morte maliciosa

Que na espiral das sirenes

Se esconde e assobia

 

Dias que passei no esgoto dos sonhos

Onde o sórdido dá as mãos ao sublime

Onde vi o necessário onde aprendi

Que só entre os homens e por eles

Vale a pena sonhar.

 

Alexandre O’Neill

In Tempo de Fantasmas 1951

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