sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Perguntas a Várias Mãos - António Osório

 

Perguntas a Várias Mãos

 

Há tanto tempo em busca daquela alegria para sempre
Há de se manter a fé de achar ainda a thing of beauty
Ou de construí-la.

Más hélas! parece há muito que la chair est triste et jai lu tous les livres

Por onde afinal poderemos começar a façonar o mundo?

Recusamo-nos obstinadamente a crer, apesar de tantas evidências
que a vida é um passo na alfombra de um quarto
que jaz vazio
que a vida é um gesto inútil, como disse o amigo
na hora turva de dia já antigo
será uma seta solta no espaço?
entre duas trevas breve clarão?

Le vent se lève. Il faut tenter de vivre!

Há que resistir
Há que resistir ao tempo
Há que resistir ao nada em galope lancinante
neste tropel bravio de angústias e esquivanças.

Quando virás, demiurgo, promover a libertação?
Onde estás Deus, que te escondes?
Quando chegará o ponto ómega, o momento crístico, a parusia?
Quando a cidade do povo, a nova humanidade?

O grito selvagem do sol faz ainda a cada manhã estremecer a terra
E as línguas largas das águas continuam amorosas a relambê-la
não sabemos ainda, soturnos habitantes às vezes afoitos
Quando virá o libertador
Nem o seu nome.

Será que um dia, e quando, os cânticos jubilares do homem
acordarão as potências telárgicas?
Quando afinal o estrondo de tantos prantos e blasfémias
trará Deus de volta a tem?
Ou aqui O criará à imagem de seu barro?

Será que um dia a semente apodrecida de tantas esperanças
fecundará o velho ventre de Demeter?

Não se sabem respostas
Nem as queremos talvez.
Ser homem é perguntar quem sabe
neste solilóquio máquina de tempo
de caixas de músicas esquecidas de suas melodias
manobradas marionetes por um saltimbanco maneta.

 

António Osório

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