sábado, 25 de dezembro de 2021

O Natal em Londres - Almeida Garrett

 

Almeida Garrett

(1799-1854)

 

O Natal em Londres

 

Anathema sit.

CONC. TRID.

 

Que Natal este! – sempre sois herejes,

Meus amigos Ingleses.

Bem haja o santo padre e a sua bula

De fulminante anátema,

Que excomungou estes ilhéus descridos!

Oh! nunca a mão lhe doa

Ver na minha católica Lisboa

As festas de tal noite!

Sinos a repicar, moças aos bandos

Co’a a bem-trajada capa,

E o alvo-teso lenço em coca airosa,

D’onde um par de olhos negros

Dão as boas-festas ao vivaz desejo

Do tafulo devoto

Que embuçado acudiu no seu capote

À pactuada igreja!

Natal da minha terra, que lembranças

Saudosas e devotas

Tenho de tuas festas tão gulosas,

E de teus dias santos

Tão folgados e alegres! Como vinhas

Nos frios de Dezembro

De regalados fartes coroado

Aquecer corpo e alma

C’o o vinho quente, c’os os mechidos ovos,

E farta comezana!

E estes excomungados protestantes,

(Olhem que bruta gente)

Sempre casmurros, sempre enregelados,

Bebendo no seu ale,

E tasquinhando na carnal montanha

Do beef cru e insípido!

Pois os Christmas-pyes, gabado esmero

De sarmatas manjares!...

Olhem estas pequenas... são bonitas;

Mas que importa que o sejam

Se das Graças donosas praguejadas,

Rústicas e selvagens,

Nem dança airosa, nem alegre jogo

De divertidas prendas

Arranjar sabem, e passar o tempo

Em honesto folguedo!

Jogar um whist morno e taciturno,

Sentar-se em mona roda

Junto ao fogão, fazer um detestável

Chá preto e fedorento,

Sem ar, sem graça... – Oh madre natureza,

Quanto mal empregaste

A formosura, o mimo, as lindas cores

Que a tais estátuas deste!

 

Almeida Garrett

(Londres - Dezembro de 1823)

 

 

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